quinta-feira, 12 de maio de 2011



12 de maio de 2011 | N° 16698
ARTIGOS - José J. Camargo*


A construção do medo

Depois que as torres caíram, todos admitiram que o mundo não seria mais o mesmo, mas ninguém esperava que, passada uma década, a ferida ainda estivesse tão aberta.

A história da política externa americana sempre foi escrita com tintas de arrogância e pitadas de hipocrisia, esses ingredientes indispensáveis quando a preservação do poder não tem escrúpulos com o jeito de consegui-la.

Foi assim na construção e treinamento das ditaduras, quando esse era o caminho para combater o comunismo, e depois o caradurismo de ajudar a derrubá-las quando elas (que surpresa!) afrontavam os direitos humanos.

Osama bin Laden e Saddam Hussein, antes de se tornarem inimigos mortais, foram treinados pela CIA, porque circunstancialmente a parceria deles era interessante na luta contra russos e afegãos.

Terminada a Guerra Fria, sem um inimigo bem definido, com um poder econômico muito atrelado à indústria militar, sempre com um irresistível apelo por novas guerras (se parecessem justas, melhor ainda!), o alvo passaram a ser as ditaduras que, além de atrozes, ainda cheirassem a óleo diesel.

Seria ingênuo supor que este jogo de poder, tão podre na origem, pudesse ser jogado com dignidade ou grandeza, mas que havia um código, pelo menos de meia ética, ah, isso havia!

A melhor prova dessa meia virtude foi a prisão de um suspeito de participar do 11 de Setembro, ocorrida em Minnesota, duas semanas antes do atentado, cujo laptop continha todo o plano terrorista e só veio a ser aberto depois do atentado, por impeditivos legais de inviolabilidade dos bens do prisioneiro.

Com as torres, desabaram a autoconfiança e o remanescente dos melindres éticos, no manejo do que se passou a definir como questão de segurança nacional.

Uma velha lei foi reabilitada, permitindo que suspeitos de atos terroristas fossem interrogados, sob tortura se necessário, desde que procedida fora do território americano, que pretende se manter imaculado dessa prática ultrajante, aparentemente confiando que do mal que o olho não vê a consciência não pesa.

As informações obtidas sob tortura têm sido referidas como inúteis, porque o torturado, depois de um determinado número de sessões, confessa qualquer coisa. Mas o pessoal de Guantánamo, que sob o comando de Bush se transformou em laboratório de ponta no assunto, parece discordar disso e, segundo a imprensa americana, os agentes da CIA confessaram, orgulhosos, que a informação que levou a identificar o mensageiro que conduziu ao esconderijo de Bin Laden foi obtida depois de alguma coisa como 170 sessões de subafogamento. Como se vê, os muçulmanos também têm dificuldades com encharcamento pulmonar!

Passada a euforia pela morte do inimigo símbolo, voltou a preocupação. Nos debates da TV, ninguém confia em arrefecimento do terrorismo e alguém até usou a expressão “pisaram no rabo da serpente” para definir o medo, que é de todos.

Contrariando a lógica de que os heróis devem ser festejados, o autor da façanha de explodir a cabeça de um Osama que, dizem, comia com talheres de plástico, será condecorado em segredo pelo seu presidente. E, muito provavelmente, aceitaria passar a comenda a um colega, alguém de preferência sem filhos pequenos.

A primavera brilha radiosa em Nova York, mas na conversa com americanos comuns é possível perceber a ambivalência: alguma coisa tinha que ser feita para vingar a honra do país, mas e agora, o que esperar?

E a retaliação é a maneira mais inteligente de combater fundamentalistas que se orgulham de morrer por uma causa maluca?
*Professor universitário e membro da Academia Nacional de Medicina.

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