quarta-feira, 31 de março de 2010



31 de março de 2010 | N° 16291
MARTHA MEDEIROS



Patrulha às avessas

Estou escrevendo esta crônica sem saber se Dourado foi o vencedor do Big Brother, mas, tendo sido ou não, ele agitou cabeças durante sua temporada na casa. A acusação contra o “homem de lata” é que ele era homofóbico, ou seja, um cara com aversão a homossexuais. Eu sou capaz de jurar que ele tem bons amigos gays, a não ser que seja um alienígena: quem não convive com gays?

O que Dourado talvez tenha demonstrado é que não se sente muito à vontade com gays que não sejam da sua turma, e acabou sendo grosseiro em diversas ocasiões. Ser grosseiro é o fim, mas não é crime.

Crime é não empregar homossexuais, é impedi-los de entrar num local público, é agredi-los moral e fisicamente, é fazer com eles o que não se deve fazer com nenhum cidadão: discriminar e atentar contra a integridade.

Uma sociedade sempre será capenga se não praticar a igualdade de tratamento. Ninguém é melhor ou pior do que os outros, não importa raça, credo, opção sexual. No entanto, a luta pelos mesmos direitos às vezes se torna tão cegamente apaixonada que volta a desequilibrar a balança, só que para o lado oposto.

Assim sendo, muitos acabam julgando que os pobres são pessoas melhores que os ricos, que os negros são melhores que os brancos, que as mulheres são melhores que os homens, que os homossexuais são melhores que os héteros, num juízo de valor que tenta defender os “perseguidos” pela sociedade, mas que se vale do mesmo maniqueísmo e injustiça.

Um cara grosseiro não é pior do que os doces de coco. É mais grosseiro, apenas isso. E cabe a quem não gosta de grosseria evitá-lo ou suportá-lo em detrimento das qualidades que essa mesma pessoa venha a ter.

Condenar quem não se dedica a causas politicamente corretas é patrulhamento igual. Imunizar as tribos pretensamente “do bem” acaba virando um estímulo à vitimização e, por consequência, à infantilização da sociedade.

Uma criatura pode não gostar de bichos e ser muito mais educada, honesta e de bom caráter do que aquela que adotou 50 gatos e cachorros de rua. Um gay pode ser um sujeito mais preconceituoso do que um hétero.

Uma mulher pode não merecer nenhuma das homenagens que lhe prestam no seu “dia internacional”. Um sujeito pobre pode ser ardiloso e um milionário pode ser muito decente. Uma sociedade que se deixa reger por estereótipos é, no mínimo, preguiçosa.


31 de março de 2010 | N° 16291
DIANA CORSO


Mestres constrangidos

Participei da gravação de um programa de televisão sobre bullying. Com o pessoal da TV Escola, buscávamos uma palavra em português para esse termo, que a esta altura já faz parte do vocabulário psico-pedagógico.

Achamos que “constrangimento” era uma aproximação, embora parecesse suave para a carga de agressividade repetitiva e intencional, em geral ocorrida entre estudantes, que essa prática pressupõe.

Derivado da palavra inglesa bully, valentão, o termo designa o achincalhamento, a humilhação sistemática que os mais fortes fazem sobre os mais fracos. Por vezes isso ocorre de forma pessoal e discreta, outras anônimas, através da internet, ou em público com o apoio de um grupo.

Esse aviltamento de um aluno por outros está representado em todas as formas da ficção e é parte da vida escolar, tanto quanto os cadernos e o quadro negro. O debate em torno do assunto é recente, mas a literatura tem relatos muito antigos da violência praticada contra aqueles que se mostram quietos, sensíveis, ou diferentes em qualquer (mínimo) aspecto dos outros.

A segunda parte do programa foi gravada numa escola estadual, onde um empolgado grupo de professores e alunos produziu blogs, pesquisas, teatro e, principalmente, um debate interessante e complexo. Foi inevitável perguntar-se: para que o bullying aconteça e se perpetue, seria preciso que o professor tenha sido de algum modo coadjuvante nesse comportamento?

Conviver com crianças e adolescentes obriga a permanecer em contato com o próprio passado. Se a infância doméstica pode até ser lembrada ao som de passarinhos cantando, a escolaridade sempre tem trilha sonora mais tensa, com acordes trágicos e raros allegros.

O professor diariamente partilha dramas que evocam memórias que ele nem sempre gostaria de manter vivas, não admira que em muitos casos seja cego ou até conivente com certas práticas das quais talvez algum dia tenha sido vítima, testemunha ou algoz.

Num passo a mais, entre as questões levantadas na escola, chegamos a uma conclusão bem incômoda: ensinar em escolas públicas hoje é estar submetido a uma prática de achincalhamento constante.

Sem remuneração adequada, prestígio social e formação continuada, o professor é um profissional desautorizado por todos. Oscila entre comportar-se como uma criança que sofre bullying, evitando ir à escola, fazendo-o com os olhos baixos e voz sumida, e a postura contrária desses verdadeiros guerrilheiros do ensino, como os que conheci na Escola Estadual Itália. A esses mestres, meu carinho.


31 de março de 2010 | N° 16291
PAULO SANT’ANA


Suicídio coletivo

Confesso que fiquei favoravelmente surpreendido com a repercussão sobre o falecimento do jornalista Armando Nogueira.

Não pensei que a morte de um jornalista pudesse ainda emocionar um país inteiro. Mas emocionou. De todas as partes, chegavam mensagens de condolências, repletas de admiração pela obra do grande cronista.

O que mais sobressaía, no meu sentir, na atividade de Armando Nogueira era o seu texto, belo, limpo, firme, poético, lírico, filosófico.

Dava gosto lê-lo, sempre acudiam o seu texto as metáforas, as comparações com ironias suaves, as intercalações de imagens que ele conectava com rara maestria.

Quando morre um jornalista e é assim tão reconhecido, engrandece-se a profissão do jornalismo como algo inseparável do meio social, como imprescindível ao trânsito de ideias e ao convívio entre as pessoas.

Justas homenagens. E nem sequer a gente percebia que Armando Nogueira era um dos grandes da literatura esportiva que ainda restavam entre nós.

Justas homenagens.

Quando espocaram anteontem os dois atentados terroristas no metrô de Moscou, matando 38 pessoas, minha lembrança logo acorreu ao local do primeiro atentado, a estação de metrô Lubyanka, no centro da capital russa.

Por ali fiquei horas a ver, em 1973, o entra e sai de uma multidão incalculável nos porões do metrô, gente que não acabava mais e que ia surgindo ou desaparecendo nas ondas das escadas rolantes, moles humanas engolfadas para dentro e para fora dos trens, gente e mais gente procurando o seu destino, o fantástico metrô de Moscou.

Naquelas levas de pessoas que emergiam dos túneis ou desciam para eles, fixou-se o meu olhar aturdido, recém saído da adolescência provinciana e jogado perplexo para o epicentro do metabolismo de uma megalópole.

Lá embaixo, na plataforma dos trens, a imponência das estátuas de mármore do Báltico a celebrizar os heróis nacionais, uma higiene perfeita entre os caminhos e de segundos em segundos os trens chegando ou partindo, gente embarcando e desembarcando. Levei umas oito horas a observar aquele constante farfalhar da multidão no metrô petrificante de Moscou.

Agora fiquei a imaginar o estrago que fizeram as duas explosões terroristas no metrô de Moscou.

O que pode levar duas mulheres chechenas a se enrolarem em colchas de bombas e detonarem seus explosivos contra aquelas multidões indefesas de russos?

Qual é a lógica intrigante do terrorismo? Que desespero de impotência leva esses terroristas a sacrificarem suas próprias vidas e a vida dos outros para firmar um protesto político carregado de fanatismo?

Por trás disso, deve se esconder uma poderosa opressão.

É muito séria e profunda a campanha Crack, Nem Pensar, lançada anteontem em sua segunda etapa pela RBS.

Essa droga ameaça fazer ruir os alicerces da sociedade por ser uma droga barata e de livre acesso a todos.

Esta campanha da RBS é dirigida em favor da saúde, contra a morte e se constitui em um grito de alerta para o povo e as autoridades sobre o perigo do triunfo dessa droga sobre a organização social.

Algo precisa ser feito para fazer cessar o perigoso espalhamento do crack nas nossas comunidades.

E a RBS se lança à campanha para orientar o público e condenar a droga, devendo o alcance da medida sensibilizar os usuários, os familiares deles e até mesmo os traficantes para a conscientização de que estamos diante da ameaça de um suicídio coletivo.


31 de março de 2010 | N° 16291
DAVID COIMBRA


Uma de dez e duas de cinco

Eu tinha uma de dez e duas de cinco dobradas no bolso esquerdo da minha US Top. Uma de dez e duas de cinco, nada mais. Estava duro, durango kid. Então era todo dia pão com ovo ou pão com banana, e batata, muita batata. Aí, justamente nesse dia, ela chegou. Aquela loirinha. Era uma loirinha pequena, mas não baixinha. Magrinha, mas jeitosa. Curvas, manja? Ela tinha curvas.

Ela tinha um bracinho torneado, tinha um musculinho bem ali naquele bracinho, e ela tinha um jogo nos quadris e um olhar azul de gata vadia, ela era toda dourada, cabelo dourado, pele dourada, ela era dourada e azul, aquela loirinha.

Pois ela chegou naquele dia, bem naquele dia que eu andava na maior dureza, e ela parou na minha frente e deu uma quebrada na cintura de um jeito que ela sabia dar, e me olhou com aquele olhar de viés, e me disse algo que me fez tremer todo por dentro:

– Tu sempre me quis, não é?

Minha voz saiu rouca, do fundo do peito, arranhando a garganta:

– S-sempre...

Ela sorriu um sorriso dourado e branco:

– Vamos jantar hoje?

Respondi que sim, sim, sim, muito sim! Combinamos de ir ao restaurante mais caro da cidade, que ali estava uma mulher que merecia jantares suntuosos, com consomês e pratos em sequência e maítres solícitos e tudo mais. Só depois que ela se foi, gingando, derramando a primavera por onde passava, só depois lembrei da minha situação financeira. Precisava arranjar algum emprestado. Desesperadamente.

Saí atrás dos amigos. Descrevia a loirinha para eles. Gemia:

– Ela disse: “Tu sempre me quis, não é?”, ela me disse isso, meeen! Preciso de um troco!

Fui num, fui noutro, nada. Amigos descapitalizados. Maldição.

Fui para casa aflito. Faltava uma hora para o encontro, e eu não encontrava a solução. Enquanto tomava banho, pensava no que fazer. O quê? O quê??? Aparentemente, não havia saída. E se confessasse meu estado lastimável para ela?

Ela me consideraria um muquirana (com toda a razão) e cairia fora (com toda a razão). Havia outros, muitos outros, enxameando em torno dela. O que fazer, Cristo? O que fazer???

Saí do banho com o coração confrangido. Faltavam 45 minutos. Sentei-me na borda da cama, finquei os cotovelos nos joelhos e pus a cabeça entre as mãos. Não possuía nada que pudesse vender. Pelo menos não assim, à última hora. Ninguém mais a quem apelar. E a loirinha me esperando, toda cheirosa e dourada. Desgraça! Desgraça!!!

Suspirei. Levantei-me. Ia assim mesmo, depois veria o que fazer. Tirei minha melhor camisa do roupeiro. Vesti-a. Puxei a nota de dez e as duas de cinco da calça jeans. Olhei para elas como se olhasse um quadro de Renoir. Alisei-as.

Deitei-as carinhosamente sobre o colchão. Suspirei de novo. Peguei outra calça do cabide, uma um pouco mais nova, que fazia tempo que não usava. Enfiei uma perna. A outra. Fechei a calça. Colhi a de dez e as duas de cinco da cama. Levei-as ao bolso. E aí...

... WOLFREMBAER!!!

Achei dinheiro no bolso da minha calça! Dinheiro, velhinho! Muito dinheiro! Ou, pelo menos, o suficiente para pagar a conta caríssima de um restaurante caríssimo. Olhei para o céu. Com lágrimas nos olhos, balbuciei:

– Obrigado, Senhor!

Esses jogadores que fazem gol e agradecem a Deus. Por favor! Um gol não é nada. Gols são marcados todos os dias, todas as horas, em todas as partes do mundo.

Achar um buquê esquecido de reais no bolso de uma calça jeans quando uma loirinha jeitosa, com um bracinho com musculinho, com curvas e negaças à mancheia, com um jeito todo dela de quebrar os quadris, achar dinheiro para pagar a conta do restaurante quando uma loirinha dessas espera por você, isso, rapaz, isso sim é ser abençoado pelo Todo-Poderoso, isso sim faz um homem sair por aí com uma camiseta apregoando: “Deus é fiel!” Como é.

terça-feira, 30 de março de 2010



A difícil transição paulista MARCIO POCHMANN

O Estado de São Paulo vive um de seus maiores desafios históricos: como continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país?

QUANDO SE completa a primeira década do século 21, o Estado de São Paulo demonstra viver um de seus maiores desafios históricos, qual seja, o de continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país. Na perspectiva recente, isso parece estar comprometido diante de importantes sintomas de decadência antecipada.

Entre 1990 e 2005, por exemplo, o Estado paulista registrou o segundo pior desempenho em termos de dinamismo econômico nacional, somente superando o Rio de Janeiro, último colocado entre os desempenhos das 27 unidades da Federação.

Atualmente, o Estado paulista responde por menos de um terço da ocupação industrial nacional -na década de 1980, era responsável por mais de dois quintos dos postos de trabalho em manufatura.

Simultaneamente, concentra significativo contingente de desempregados, com abrigo de um quarto de toda mão de obra excedente do país -há três décadas registrava somente um quinto dos brasileiros sem trabalho.

Em consequência, percebe-se a perda de importância relativa no total da ocupação nacional, que decaiu de um quinto para um quarto na virada do século passado para o presente.

Se projetada no tempo, essa situação pode se tornar ainda mais grave, com São Paulo chegando a responder por menos de 20% da ocupação nacional, por um terço de todos os desempregados e apenas por um quinto do emprego industrial brasileiro no início da terceira década do século 21.

Essa trajetória pode ser perfeitamente revertida, uma vez que não há obstáculo econômico sem superação.
A resposta paulista, contudo, precisaria vir da montagem de uma estratégia inovadora e de longo prazo que não
seja a mera repetição do passado.

Na visão da antiga oligarquia paulista, governar seria fundamentalmente abrir estradas, o que permitiria ocupar o novo espaço com o natural progresso econômico. Por muito tempo, o Estado pôde se privilegiar dos largos investimentos governamentais em infraestrutura, o que permitiu transitar das grandes fazendas produtoras e exportadoras de café no século 19 para o imenso e diversificado complexo industrial do século 20.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Fora, Suplicy!

SÃO PAULO - O senador Eduardo Suplicy chegou à reunião da Executiva Estadual do PT, ontem pela manhã, montado em 19% das intenções voto ao governo de São Paulo, conforme registrou o Datafolha. Deixou a mesma reunião, horas depois, anunciando que abria mão da disputa partidária em benefício do senador Aloizio Mercadante, que aparece com 13% na pesquisa.

O desfecho da novela (a candidatura Mercadante) era previsível, mas o roteiro de ontem (a desistência instantânea de Suplicy) não.

O fato é que Suplicy foi massacrado pelo exército lulista. De quase 20 oradores presentes à reunião, nenhum o encorajou a levar suas pretensões adiante. Houve, pelo contrário, pressão unânime para demovê-lo.

Um dos petistas, especialmente hostil, chegou a mencionar a eleição ao governo paulista de 1986, quando Suplicy, depois de passar por uma crise pessoal, interrompeu a campanha e se refugiou por alguns dias na serra da Cantareira, alegando ter "perdido o eixo".

"Fiquei surpreso", diz o senador, referindo-se à falta de receptividade a seu nome. Havia, mesmo, a intenção de assustá-lo, conforme relatos a esta coluna.

As gentilezas ficaram por conta do café da manhã que lhe foi oferecido pelo presidente do PT paulista, Edinho Silva, com pão de queijo, suco de caju e bolo -uma variedade à mesa "muito incomum" por lá, segundo o anfitrião fez questão de dizer antes de lhe introduzir o menu amargo da política.

Mercadante será -como já era- o candidato. Em 2006, ele foi derrotado no primeiro turno por José Serra. Seu maior desafio ainda é conseguir chegar ao segundo turno.

O episódio de ontem no PT mostra, por um lado, a capacidade quase infinita de Suplicy de jogar para a plateia, faturando algo mesmo quando é derrotado.

Sua desistência passa por "gesto de grandeza". Mostra também que, para a cúpula, Suplicy é quase um corpo estranho ao partido, um satélite midiático, circense, personalista. E mostra sobretudo a submissão disciplinada do PT à palavra e à vontade de Lula.


30 de março de 2010 | N° 16290
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Vocação da esperança

“Perdeu o emprego. E o pior, o médico falou que precisa tratar a tal pontada no peito.”

Ouvi essa frase quando caminhava por um dos pontos mais turbulentos de Porto Alegre, uma compacta junção de pedintes, crianças jogadas à própria sorte, tipos sombrios com ares de reis do pedaço.

Havia atingido então uma das travessas do Centro. Foi quando escutei o seguinte comentário:

“Aí nos despejaram. O barraco não era grande coisa, mas esta noite a gente se abrigou adivinha onde? Debaixo de umas folhas de papelão.”

Eu chegava agora ao coração da cidade. Bem ali me chegou uma crua declaração:

“Em que lugar dorme o bebê? Dorme com os cachorros. Acho que os cachorros passam um calor pra ele, o pobre quase nem chora nas ventanias da madrugada.

Nada do que conto sucedeu em Luanda, Kampala, Concepción, Porto Príncipe. Ocorreu na capital que desfruta de um dos mais altos níveis de qualidade de vida do país.

Não faz muito li que, segundo pesquisa da ONU, o Brasil, apesar de ferido por disparidades sociais, ocupa o décimo lugar do planeta no quesito da felicidade coletiva. Sempre desconfiei de rankings. Não acredito nem nos que nos situam entre as sociedades mais atrasadas do universo nem nos que nos atribuem qualidades e méritos completamente invisíveis a olho nu.

No lugar em que trabalho tem um engraxate que dribla os seguranças, atropela os regulamentos burocráticos e vai conquistando nutrida clientela. Lustro meus sapatos com ele. Não é ainda um virtuose no mister, faltam-lhe tintas e tons, mas nunca uma alegria simples e contagiante.

É um emérito piadista, defende a gloriosa camiseta do Inter com bravura e garra, mesmo após eventuais tropeços não esconde que seu sonho é ser prefeito, desembargador, diplomata, pouco importando ocasionais colisões formais entre tão díspares ofícios.

“O doutor Getúlio não foi tudo isso?” – pergunta, como quem brande um argumento irrespondível.

Não conheço essas particularidades da biografia do doutor Getúlio. Mas não descreio dos planos do engraxate Agenor. Pois, como atesta a ONU, somos, apesar dos pesares, um dos 10 povos mais felizes da Terra.

Vai ver que nossa comum vocação é mesmo a da esperança.

Lindo dia para você. Aproveite a terça-feira


30 de março de 2010 | N° 16290
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Tão perto, tão parecidos

Quando nós, sulinos, pensamos na Argentina, pensamos em uma terra próxima, que conhecemos de longa data, com quem trocamos cumprimento rotineiramente, nós indo lá para compras, ele passando aqui em busca das praias catarinas.

No passado, quando Portugal e depois o Brasil independente lutavam contra a Espanha e depois as províncias platinas, foi o Rio Grande do Sul a arena da disputa, a face concreta do Brasil, quase sempre.

Por outro lado, a história econômica, aquela que define o modelo de vida de uma região, mais nos une que nos aparta dos vizinhos países: gado aqui, gado lá; imigrantes europeus pobres lá como cá; culturas de clima temperado dos dois lados da fronteira.

As diferenças são notáveis também, é claro. A Argentina e o Uruguai são países, e o RS, uma província do Brasil; nosso poder de decisão é muito menor a respeito de muitos itens centrais da vida, como política monetária ou externa. Sem contar que em nosso Estado a escravidão foi muito mais significativa, a prazo largo, do que nos dois países vizinhos, que no entanto também carregam essa marca em seu passado.

No campo político e ideológico, a comparação rende muitos estudos.

Há o clássico (e pouco lido) ensaio de Raymundo Faoro sobre Simões Lopes Neto a Amaro Juvenal, que traça aproximações e distâncias nesse campo: o RS, como os países platinos, também viveu em certo momento a política como confronto de duas posições excludentes, que depois se dissolveram e de que hoje restou apenas o Grenal como lembrança, já que hoje também nosso Estado mergulhou nessa mixórdia geral da política de balcão, em que se negocia qualquer coisa com qualquer partido, desde que a moeda convenha. (Agora mesmo, não se distingue qualquer agremiação de qualquer outra, não é?

Tendo horário de tevê e financiamento, gato pode cruzar com urubu, maragato com chimango.)

Vai então a sugestão de uma leitura para ajudar a compreender a formação mental da Argentina, e para contrastar com a história brasileira e a gaúcha: A Invenção da Argentina – História de uma Ideia, de Nicolas Shumway (2008, Editoras da USP e da UnB, trad. Sérgio Bath e Mário Higa).

Um belo estudo, claro e límpido de ler (a prosa acadêmica norte-americana tem dessas virtudes), em que se desenha, na política e no campo das ideias, a história da clássica oposição entre a elite portenha, urbana e cosmopolita, de discurso liberal e com pouquíssimo gosto pelos índios e “gauchos”,

representada recentemente pelo falido De La Rúa e na literatura por Jorge Luis Borges (sim, sei que estou simplificando), e outra elite, provincial, de trato caudilhesco, de origem rural e/ou interiorana, próxima do povo mas para fins populistas, sem horizonte internacional forte, em geral representada pelo peronismo e pela literatura gauchesca. No ano do bicentenário da independência deles lá, é boa leitura.


30 de março de 2010 | N° 16290
PAULO SANT’ANA


Dourado, o homofóbico

Como imperceptivelmente me torno, em razão de ser um cronista diário, um adivinhador, um antecipador de decisões, um opiniático, vou hoje fazer outra previsão, depois de ter adiantado como seria o júri dos Nardoni.

Acontece que hoje é dia de grande (no sentido de extensa) poesia de Pedro Bial no anúncio daquele que será consagrado logo mais à noite o campeão do Big Brother 10.

De um lado, um dos três finalistas é o Cadu, um bebezão brutamontes que não acrescentou nada, absolutamente nada, ao programa durante todo o transcorrer.

Mostrou em todo o BBB a única coisa que tinha, um físico extraordinário, um tórax avantajado que deve ser do agrado das mulheres, mas nenhuma ternura, nenhuma inteligência, nenhuma sensibilidade. Deve ter sido escolhido pelo programa por seu tórax, como se fosse uma competição de halterofilismo.

Por isso não vai ganhar.

No centro dos três finalistas, figura a extasiada Fernanda. Outra que, além da beleza dos seus olhos e do encanto do conjunto lábios, dentes e sorriso aliados a um nariz bem feito, emoldurados por uns olhos azuis tentadores, nada tinha para oferecer ao respeitável público.

Nada mais. Nenhuma palavra, nenhum pensamento, nenhum raciocínio, nenhuma participação em qualquer diálogo mais interessante, nem que fosse pelo bom humor ou pela descontração.

Cadu e Fernanda foram as mais altas expressões de mediocridade da história de todos os Big Brother, os programas se arrastavam e não vinha deles qualquer manifestação ao mundo das ideias nem mesmo das ideias mundanas.

Talvez por isso tenham chegado à final. Não se conhecem os motivos por que o público brasileiro escolhe os finalistas do Big Brother, um profundo mistério. Desta vez escolheu o Cadu e a Fernanda como finalistas, os dois certinhos, os dois água com sal, os dois maria vai com as outras, os dois um zero à esquerda.

Não vai ganhar por isso a Fernanda.

Vai ganhar o Dourado. Nunca foi tão fácil pôr R$ 1,5 milhão no bolso. Bastou espalhar a notícia de que era homofóbico (aversão por homossexuais), discutir asperamente com três ou quatro participantes quando ainda eram muitos os participantes. Sabichão, não discutiu quando eram poucos, tinha medo de ser indicado por um deles para o paredão. Medo infundado, o público já tinha definido desde quase o início do programa que ele seria o vencedor, acabou voltando invicto de cinco paredões, o que mostra o quanto era odiado pelos outros participantes.

Até que cansaram e não o mandaram mais.

Vai pôr 1 milhão e meio no bolso o Dourado. Nunca foi tão fácil ganhar tanto dinheiro.

Bastou arrotar e escarrar a torto e a direito no programa, mostrando que os que estão dentro da casa não têm muita noção de que são vistos durante as 24 horas do dia no peiperviu. Se o tivessem, ele não arrotaria e cuspiria tanto para todos os lados durante as tardes e noites inteiras.

Vai ganhar o grosso, o sem ternura, o que mais se esforçou para fingir que era meigo, sem nunca ter sido convincente.

Mas ganhou o que se definiu, os outros todos ficaram sempre em cima do muro, querendo agradar aos colegas e ao público.

E o Dourado pelo menos teve a audácia de se atritar fortemente e longamente por três ou quatro vezes, levando as brigas à frente com intrepidez.

Vai ganhar o Dourado.

Mas tinha que ter ganho o Michel.

Ou o Dicésar.

Pelo menos, estes últimos dois pensavam alguma coisa.


30 de março de 2010 | N° 16290
MOACYR SCLIAR


A Última Ceia: a mudança de imagem

O que foi servido na Última Ceia? O Novo Testamento só menciona o pão e o vinho, que a Jesus inspiraram as pungentes metáforas (“Este é meu corpo, este é meu sangue”).

Sabemos que mais alimentos deveriam estar sobre a mesa, pois se tratava da Páscoa judaica, uma comemoração em que a refeição costuma ser abundante, até como forma de apagar as penosas recordações da miséria resultante da escravidão no Egito e da travessia do deserto.

Por outro lado, certamente não teria sido um banquete: Jesus e seus discípulos eram pobres, faltava-lhes dinheiro para os víveres.

De qualquer modo, a dúvida ficou e, através dos séculos, artistas usaram a imaginação para dar uma resposta a esta questão através dos pratos que aparecem em quadros retratando a Última Ceia: obras não raro famosas, como as de Leonardo da Vinci, Lucas Cranach, Peter Paul Rubens.

Graças a este acervo artístico, surge agora uma nova e original abordagem do tema divulgada em artigo publicado no International Journal of Obesity. Especialistas em nutrição da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, estudaram 52 das pinturas mais famosas tendo como tema a Santa Ceia.

Constataram que o conteúdo dos pratos cresceu 66% entre o quadro mais antigo analisado (datando de cerca do ano 1000) e a pintura mais recente (século 18). O tamanho do pão, segundo estas análises, teve um acréscimo de cerca de 23%.

Os aumentos maiores foram vistos em pinturas criadas depois de 1500. O que é muito significativo: esta é a época que marca o advento da modernidade. A disponibilidade de alimentos aumentou muito, graças à melhora nas técnicas agrícolas e ao incremento no comércio internacional de alimentos.

Havia mais dinheiro para comprar comida. E, sobretudo, o ascetismo que tinha sido a regra na Idade Média desapareceu; a busca do prazer, seja do prazer sexual, seja do prazer da mesa, era uma constante, sobretudo entre os ricos. Nascia uma nova era. E, com ela, nascia a obesidade, que até hoje nos acompanha.

O aumento das porções, sobretudo em alimentos industrializados, geralmente muito gordurosos e calóricos, é uma realidade. Comentando o trabalho, uma nutricionista inglesa observou que há 20 anos batatas fritas vinham em pacotes de 20 gramas.

Agora vêm em pacotes de 30 , 50 ou 60 gramas. E, como sabemos, o pacote inteiro é ingerido. Resultado: a epidêmica obesidade de nosso mundo. A Última Ceia lembra que uma celebração também pode ser feita com porções modestas de alimento.

A cancha de basquete é um bom lugar para conhecer as pessoas que, no calor da peleja, muitas vezes revelam seu lado oculto. Mas o José Fortunati com quem joguei basquete na Associação Cristã de Moços mostrou-se um grande ser humano: companheiro leal, pessoa amável e gentil. Verdade que, apesar da altura, nunca foi exatamente um craque: havia uma certa incompatibilidade entre ele e a cesta.

O que, pensando bem, foi benéfico para Porto Alegre. Se Fortunati fizesse carreira no esporte, nós não o teríamos como prefeito de nossa cidade. E garanto que aqui ele vai marcar muito mais pontos do que em qualquer quadra, nacional ou internacional.

segunda-feira, 29 de março de 2010



29 de março de 2010 | N° 16289
CANTEIRO ELEITORAL


PAC 2 reacende promessa do metrô

Primeira fase da obra, orçada em R$ 2,72 bilhões, deve integrar o PAC 2, programa que será lançado hoje pelo presidente Lula

No pacote de obras que o governo federal lança hoje, a seis meses da eleição presidencial, há um item que interessa diretamente aos gaúchos: a possibilidade de liberação de verbas para o metrô da Capital. Deputados da bancada gaúcha afirmam que a obra está na lista de ações da nova fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que será lançada em Brasília pelo presidente Lula e pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

– Temos a informação de que serão destinados R$ 9 bilhões para obras de metrô em Porto Alegre, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro – diz o vice-presidente da Câmara, deputado federal Marco Maia (PT).

O PAC 2 será lançado com previsão de investimentos de mais de R$ 1 trilhão, e o anúncio será acompanhado por deputados gaúchos. A expectativa dos parlamentares é de que R$ 2 bilhões sejam destinados à obra em Porto Alegre. Cauteloso, o diretor-presidente da Trensurb, Marco Arildo Prates da Cunha, afirma que, apesar da expectativa positiva, prefere aguardar o anúncio oficial. Mas adianta que, se confirmada, a obra deve ser executada por meio de parceria público-privada (PPP), com previsão de término em quatro anos.

O governo disponibilizaria os R$ 2 bilhões e outros R$ 724 milhões viriam do empreendedor ou consórcio vencedor da licitação, responsável pela construção e operação da linha. O modelo foi elaborado com base em estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP, contratada pela Trensurb.

– Seria uma concessão de 30 anos, com preço da passagem estimado em R$ 2,50, incluindo integração com ônibus, o que, pelos cálculos da Fipe, gerará uma receita anual de R$ 350 milhões, o suficiente para pagar a operação e garantir ressarcimento ao longo desse período – informa o diretor-presidente da Trensurb.

O projeto segue estudos iniciados pela Trensurb, Metroplan e prefeitura em 2003 e conta com duas etapas, a primeira delas terá duas fases (confira mapa). Os primeiros 15,2 quilômetros, com traçado subterrâneo, devem beneficiar 372 mil pessoas por dia.

Uma segunda etapa, sem previsão, irá até o campus da UFRGS e retornará pela Antônio de Carvalho, Protásio Alves e Manoel Elias até o Terminal Sertório, totalizando 37,4 quilômetros.

Bem a Net deixou todo mundo aqui sem internet e sem telefone ontem outra vez. Descontos na conta, com certeza, não virá e os transtornos para isso nem desculpas tem Que coisa hein? Uma linda semana para você.


29 de março de 2010 | N° 16289
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Honra ao perdedor

O perdedor deu o seu melhor, deu sua alma, sua inteligência, sua vida, suas esperanças. Lutou, concentrou sua vontade e seu talento mas, perante certo olhar, não venceu.

Exigem-lhe que se recolha ao fracasso de sua existência e faça o favor de desaparecer. Segundo esse olhar, ele é o loser, situado a uma distância planetária do winner. Ao winner tudo: o brilho, as manchetes, os discursos, os filmes e as fotos.

É tempo de repensarmos essa tão simplória quanto injusta dicotomia que aos poucos se instala na sociedade brasileira e que, no fundo, não passa de imitação subserviente do modelo imposto por uma ética perversa.

Os critérios que qualificam os vencedores são estabelecidos de forma unilateral, e significam, pela ordem: a posse do dinheiro e o exercício do poder. Não o dinheiro para comprar o necessário e o que alegra, ilustra e embeleza a vida; não o poder destinado a operar na coletividade, colaborando para torná-la mais justa. Metamorfoseados em valores absolutos, o poder e o dinheiro apresentam-se como entidades bastantes em si mesmas.

O ganhador, por isso, não tem qualquer dúvida. Todo seu modo existencial é uma blindada parede de certezas. Não admite o erro alheio e jamais escuta o outro, pois o ato de escutar, mediante sua perspectiva, é um ato de fraqueza.

Honras ao perdedor.

Fanfarras ao perdedor.

Ele é quem guarda – intocados – os mais generosos valores humanos. Ele, somente ele, mantém acesa a luz da solidariedade. O dinheiro e o poder não lhe dizem nada. Sua aparente derrota é, na verdade, o triunfo da sensibilidade e da compaixão.

Só o perdedor sabe o que significam a aflição da luta e a dor da perda, condições necessárias ao crescimento e à ação construtiva. Já o vencedor, por desconhecer as contrariedades, nada pode oferecer, senão um estéril egocentrismo narcisista.

E então, quando a sociedade brasileira em peso orgulha-se do fato de o país contar com um dos 10 maiores bilionários do mundo e dá-lhe as capas das revistas ilustradas, é porque estamos longe, muitíssimo longe de saber o que seja o verdadeiro orgulho. Ele está em outro lugar: perguntemos ao perdedor.

Ou, apenas, consultemos nossa consciência.


29 de março de 2010 | N° 16289
PAULO SANT’ANA


Ecos do crime

Não me sai da cabeça o crime cometido por Alexandre e Anna Carolina sobre a menina Isabella.

O motivo central do crime, embora enevoado por sombras de dúvida, parece ter sido o ciúme. Ciúme da madrasta pela mãe da criança, ciúme do pai por não ter a guarda da filha. Parece meio intrincada essa teia, mas ela tem nexo.

Aí, sobreveio a irritação da madrasta contra qualquer coisa que a menina tenha dito ou feito, no caso, dentro da garagem. E a primeira agressão da madrasta sobre a menina.

A menina deve ter subido o elevador gritando, chorando, xingando. Isso pode ter levado a madrasta à exasperação.

Daí até a esganadura da menina dentro do apartamento, foi um passo.

O que me parece incompreensível é a atitude de Alexandre enquanto Anna Carolina esganava Isabella.

Por que ele não interveio e não defendeu a sua filha diante da fúria homicida da madrasta é algo que foge à compreensão de qualquer um.

Ele só pode ter-se associado ao ânimo agressivo da madrasta contra Isabella, permitindo a esganadura.

Ou será que não se associou e, quando viu, a menina já tinha sido asfixiada? E então resolveu aderir à madrasta e, para não complicá-la, resolveu atirar a menina pela janela.

Mas como é que um pai permitiu isso tudo contra sua filha, fruto de seu sangue? Como é que, em nome do amor que tinha por Anna Carolina, abandonou completamente Isabella à sanha homicida de Anna Carolina?

Esse emaranhado de sensações é muito obscuro no caso.

O ato da esganadura, segundo a perícia, demorou cerca de três minutos. Tempo suficiente para Alexandre intervir e não permitir que Anna Carolina levasse à frente seu propósito destruidor.

Onde estava Alexandre nesses três minutos? Não me entra na cabeça que um pai assista passivamente a sua filha sendo morta por sua mulher sem ir em seu socorro. Não me passa pela cabeça.

Será que havia irritação de Alexandre com Isabella que chegasse ao ponto de o pai se associar à mãe na intenção homicida?

Ou será que Alexandre encontrava-se no quarto com seu filho menor quando a madrasta esganava Isabella? E, chegado do quarto, deparou com a filha inanimada e discutiu com Anna Carolina, recriminando seu ato?

Porque é exatamente nesses instante que um vizinho ouviu espocar uma discussão veemente e em altos brados vinda do apartamento de Alexandre.

Será que Alexandre disse a Anna: “Olha o que fizeste com minha filha”. E discutiram.

E Alexandre pode ter pensado, naqueles segundos de aflição, que sua presença no apartamento naquele momento já o comprometia com o crime e resolveu, no desespero, tentar fazer desaparecer os vestígios da esganadura, atirando Isabella pela janela?

Como duas vidas de dois jovens, Alexandre e Anna Carolina, sem contar, é claro, a vida de Isabella, podem ser destruídas assim em instantes de irritação, irascibilidade, exasperação? Como podem explodir de repente no íntimo das pessoas impulsos de destruição e agressividade?

O quanto estão sofrendo neste instante Alexandre e Anna Carolina no fundo da cadeia. O quanto está sofrendo a mãe de Isabella, tudo por apenas um rompante de prepotência contra uma criança?

Esse crime martela ainda a minha cabeça.

E durante muito tempo não vai deixar de martelar.


29 de março de 2010 | N° 16289
L. F. VERISSIMO


Do lado claro

Fui passar uns dias em Nova York e deixei crônicas prontas para cobrir minha ausência.

Crônicas sobre nada, ou sobre nada muito factual. O risco disto, claro, é darem um tiro no Papa ou o mundo acabar e não aparecer nenhum comentário seu a respeito.

A semana que passei em Nova York foi a do 11 de setembro de 2001. Logo depois dos atentados, comecei a mandar matérias para O Globo e para Zero Hora sobre o que estava acontecendo sob o meu nariz, mas outros jornais que reproduzem esta coluna não receberam as matérias e continuaram a publicar minhas considerações sobre os hábitos sexuais dos anjos. Para parte dos meus 17 leitores, portanto, fui um exemplo extremo de alienação. O planeta em choque e eu muito trá-lá-lá da vida.

No caso acima, a alienação foi acidental, e parcial. Há casos em que ela se deve à insensibilidade mesmo, ou a uma inabilidade de entender o momento. Como a de Maria Antonieta, que na noite do dia em que os revolucionários assaltaram a Bastilha escreveu no seu diário, entre bocejos: “Mais um dia tedioso em que nada aconteceu”.

E há casos em que a alienação – definida como desatenção a um fato ou assunto que domina a atenção de todo o mundo – é voluntária, deliberada e profilática.

Eu não tenho nada a dizer sobre o caso Nardoni, não porque não compartilhe da comoção nacional que ele provocou, mas por autodefesa. Não quero pensar no assunto.

Não quero entrar nesse pântano sulfuroso nem dizer coisas pseudoprofundas sobre os labirintos da alma humana. E prefiro não comentar o teatro de excessos em que se transformou o julgamento e seu entorno. Eu, egoistamente, fora.

Mudando de assunto: minha neta abre os braços e diz “vovô!”, com ponto de exclamação e tudo, sempre que me vê. Como nos vemos várias vezes por dia, é uma emoção multiplicada.

Quando perguntamos que horas são, ela olha o pulso e, invariavelmente, diz “cinco nove”. Não sabemos de onde ela tirou isto, mas, por via das dúvidas, estamos pensando em jogar na dezena. E quando... Eu sei, eu sei. Nada menos interessante do que gracinha de neto contada por avô, para quem não é o avô.

Mas há momentos em que o desinteressante e o sem nenhuma importância servem como refúgio. E você pode se consolar por estar no que a poeta Lara de Lemos, que teve seus dias de escuridão, chamava de “o lado claro do mundo”.

domingo, 28 de março de 2010


FERREIRA GULLAR

A cara do cara

Teríamos que ver Lula não como o estadista, que pretende ser, e, sim, como um espertalhão?

DEVO ADMITIR que, de algum tempo para cá, a personalidade de Lula tornou-se, para mim, motivo de surpresa e indagação. Trata-se, sem dúvida, de um personagem inusitado na história política do país. Contribui, para isso, obviamente, sua origem social, a condição de líder operário que, embora pouco afeito aos estudos e à leitura, chegou à mais alta posição que alguém pode alcançar no Estado brasileiro.

A trajetória que ele percorreu é, no entanto, compreensível, se se levam em conta os fatores que determinaram o processo político brasileiro durante os anos do regime militar. A repressão que a ditadura exerceu sobre os trabalhadores organizados, alijando dos sindicatos às lideranças surgidas do getulismo e do janguismo, propiciou o surgimento de uma liderança sindical, desvinculada tanto do peleguismo quanto dos comunistas que, por isso mesmo, prometia uma nova era na luta dos trabalhadores.

A figura principal desse movimento era Luiz Inácio Lula da Silva que, envolto nessa aura, fez renascer a esperança de velhos militantes incompatibilizados com o comunismo soviético, como também o entusiasmo de uma nova geração que se inspirava na Revolução Cubana. Não por acaso, Lula passou a usar a mesma barba que caracterizava as figura de Fidel e Guevara.

Enquanto durou a ditadura militar, ele e seu partido, o PT, mantiveram-se na luta pela restauração da democracia, ao lado do partido de oposição e de outras forças de esquerda.

Finda a ditadura, Lula e seu grupo começaram a mostrar sua verdadeira face: tornaram-se adversários de todos os governos que se formaram, a partir de então. A própria Constituição de 1988 não contou com seu apoio, pois se negou a assiná-la.

De 1990 a 98, Lula fracassou em três tentativas de eleger-se presidente da República. Em 2002, deu um ultimato ao PT: para perder de novo, não se candidataria e, com isso, o partido abriu mão da postura radical, permitindo a Lula, inclusive, adotar como vice um empresário e comprometer-se com a política econômica de FHC, que haviam combatido ferozmente.

Eleito, Lula repeliu a aliança com o PMDB e aliou-se a partidos menores, que seriam comprados com o mensalão.

Quando o escândalo estourou, disse que não sabia de nada e obrigou seus auxiliares mais próximos a assumirem a culpa. Depois, os absolveu e, recentemente, afirmou que o mensalão foi fruto de uma conspiração contra seu governo. Não houve.

A coragem de fazer tal afirmação, quando a denúncia daquelas falcatruas foi feita pelo procurador-geral da República e aceita pelo Supremo Tribunal Federal, é quase inconcebível em alguém que ocupa a Presidência da República.

Mas esse é o Lula que, após assumir o governo, afirmou nunca ter sido de esquerda e, enquanto abre o cofre do BNDES à grandes empresas, alia-se ao antiamericanismo de Chávez e Ahmadinejad e abraça-se a Bush, a Fidel e Sarkozy. Dá seu apoio às eleições corruptas do Irã e se nega a reconhecer o presidente legitimamente eleito de Honduras.

Mas nada chocou tanto a opinião pública, dentro e fora do Brasil, quanto sua afirmação de que é inaceitável que alguém se deixe morrer numa greve de fome. E, como se não bastasse, comparou os prisioneiros políticos, condenados por delito de opinião, aos criminosos comuns, presos por roubar ou matar. O ministro Amorim tentou defendê-lo, dizendo que Lula, por já ter feito greve de fome, estava agora fazendo uma autocrítica.

Na verdade, Lula fingiu fazer greve de fome, em 1980, pois, como se sabe, comia escondido. Não se trata, pois, de autocrítica, mas da tentativa de desqualificar quem demonstrou a grandeza moral que ele não teve. Teríamos que vê-lo, não como o estadista, que pretende ser, e, sim, com um espertalhão, capaz de qualquer coisa que sirva a seus objetivos?

Seria, talvez, simples demais afirmar que sim. No entanto, como entender sua atitude, na visita recente ao Oriente Médio, quando se ofereceu, publicamente, para mediar o conflito entre judeus e palestinos, tarefa já entregue a um "quarteto" de alto nível composto pelos EUA, a comunidade europeia, a Rússia e a ONU? Como era de esperar, o oferecimento foi rejeitado pelos dois lados.

Lula certamente não contava com isso, mas, esperto como é, tampouco se julgaria capaz de resolver tão complexo problema. O que lhe interessava era posar de estadista preocupado com as grandes questões mundiais.

É o mesmo cara que inaugura obras não concluídas e acha que só um retardado mental faz greve de fome para valer. Teme a era pós-Lula.

DANUZA LEÃO

Adultério consentido

Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos?

NOS CHAMADOS anos dourados, o comportamento de homens e mulheres era bem diferente do dos dias de hoje. Por homens e mulheres, leia-se moças e rapazes, pois ninguém tinha mais de 25 anos; 30, no máximo. A partir daí, já pertenciam a outra turma, a dos mais velhos.

A noite começava cedo e acabava tarde. Pensando agora: será que ninguém trabalhava? Tudo era desculpa para "esticar" (a noite), e quando se saía de casa - para um cinema, teatro ou restaurante -, era obrigatória, depois, uma passadinha na boate da moda; assim, para nada.

A música era ao vivo, e o pianista da casa, conhecendo de cor as preferências de todos -que, aliás, eram sempre os mesmos-, tocava o que era praticamente um hino pessoal.

Muito Sinatra, muito Nat King Cole, muita Ella Fitzgerald. Com o barulho, pouco se conversava, mas, em compensação, as mulheres iam muito ao banheiro, retocar a maquiagem. Aliás, ao banheiro, não: ao toalete, e sempre em bando. Lá, passavam pó de arroz, batom, perfume atrás das orelhas (os estojos de pó, batom e perfume eram, na maioria, de ouro), cacarejavam bastante e voltavam, lindas e cheirosas.

Até então todos tinham uma postura bem anos 50: conversas vagas, pouca política, sendo que elas não falavam de quase nada, mas sorriam sem parar; como sorriam.

Os volteios na pista só começavam mais tarde, e era muito gentil, da parte dos homens, convidar para dançar cada mulher que estivesse na mesa; num momento de distração, até a sua própria.

Quando começava a dança, geralmente tipo lenta, tudo mudava. Pessoas que se tratavam com uma quase cerimônia juntavam seus corpos -da ponta dos pés à raiz dos cabelos- a tal ponto que por ali não passava nem pensamento.

Os rostos se colavam ("cheek to cheek", se chamava), e dependendo do que todos já sabiam, isto é, que A tinha um caso com B, as mãos se entrelaçavam, e enquanto a outra mão (dele) segurava com mais firmeza a cintura (dela), a outra mão (dela) acariciava a nuca (dele); quando se falavam, sentiam a respiração um do outro, tão próximas eram as bocas das orelhas.

Era um adultério explícito sob os olhos de seus próprios cônjuges, todos achando tudo normal. Muitos amores começaram -ou terminaram- ao som de "Night and Day". Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos? É claro que não.

Morro de pena das novas gerações que frequentam as raves, que começam na sexta-feira; dançam separados, são 84 beijos por noite, mal se tocando, e transar, só no domingo à noite, quando acaba a rave. Ouso dizer que não levo muita fé no sexo dessa garotada.

PS - Atenção: quem não quiser pegar a gripe suína deve ir a um posto de saúde, sendo que "mulheres grávidas, crianças de 6 a 23 meses e portadores de doenças como o diabetes, coronárias" (e mais umas quatro que esqueci) devem se vacinar entre 22 de março e 2 de abril de maio", já a vacinação dos "com mais de 60 anos" deve acontecer entre 24 de abril e 7 de maio".

De dar inveja às telefônicas quando lançam um novo plano de cem minutos grátis nos três primeiros meses, 31 torpedos durante a vigência do contrato, sendo que o SMS é gratuito se for mandado para um celular da mesma. Palmas para a comunicação do Ministério da Saúde.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Cara a cara

BRASÍLIA - O Datafolha de ontem é um susto para o governo e um alívio para a oposição, mas apenas confirma o principal dado da campanha: o governo tem as melhores condições, e a oposição, o candidato mais sólido. Dilma Rousseff, apesar de tudo, oscila um ponto para baixo e está com 27%. Serra, apesar de todos, recupera quatro pontos e volta aos 36%.

A campanha fecha março e chega a abril tensa, nervosa, quente. Na quarta, 31, Dilma sai da Casa Civil e Serra deixa o Bandeirantes, preparando-se para o lançamento público em 10 de abril, em Brasília. Os dois vão se enfrentar cara a cara pelo Brasil afora, com Ciro Gomes encrencado no seu próprio PSB e Marina Silva e o PV tentando ganhar fôlego e musculatura.

O melhor exemplo da premissa de que o governo ganha nas condições e a oposição ganha no candidato é o confronto entre a popularidade de Lula e a oscilação negativa de um ponto percentual de Dilma. Ele sobe para 76% e é o recordista entre os presidentes desde 1990. Mas Dilma, em vez de acompanhar o movimento, estaciona.

Planalto e PT têm Lula e estão mais organizados, com mais estrutura, um leque muito maior de alianças partidárias, mais tempo na TV. Mas José Serra, mesmo quando balança, não cai. Mantém-se teimosamente acima dos 30%.

Mesmo agora, a previsão era a de que as linhas se cruzassem -com Serra caindo e Dilma chegando à liderança-, o que não se confirma.

Ao contrário, Serra abre 28 pontos de vantagem no Sul, que, ao lado de São Paulo, neutraliza Norte e Nordeste. Os holofotes, portanto, concentram-se em Minas, onde a partida tende a ser decidida.

Neste momento, o que o Datafolha diz aos adversários é simples: a oposição tem de criar a estrutura e fortalecer as condições do seu candidato, enquanto ao governo convém o contrário: melhorar a imagem, a desenvoltura e a empatia da sua candidata com o eleitor.

elianec@uol.com.br

sábado, 27 de março de 2010



28 de março de 2010 | N° 16288
MARTHA MEDEIROS


Porto Alegre

Uma cidade rejuvenesce com o passar do tempo e sobrevive a seus habitantes, o que já a torna superior

Um comercial do Zaffari de dois anos atrás dizia que a melhor vista de Porto Alegre é a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa. Eu, que tenho viajado mais do que gostaria, digo: a melhor vista de Porto Alegre é mesmo a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa.

Porque uma cidade é isso: uma casa. Quem nasceu no interior considera que a melhor vista da sua cidade é a placa que diz ainda na estrada: “Seja bem-vindo a...” (preencha com o nome da sua terra natal).

Não dou a menor bola para quantos anos Porto Alegre fez sexta-feira porque não muda nada: 100, 200, 300, é tudo a mesma coisa, não há fim previsto. Para uma pessoa é diferente, um ano a mais é um ano a menos, mas uma cidade rejuvenece com o passar do tempo, e sobreviverá aos seus habitantes, o que já a torna superior. Sempre estará em larga vantagem, mesmo comemorando 1.000 anos. Quais são as rugas de uma metrópole?

Por mais que as coisas ruins se intensifiquem (poluição, violência, trânsito), toda cidade que é nossa fica automaticamente imunizada pela familiaridade.

Conhecer suas ruas, seus horários de pico, suas tribos, seu clima, tudo isso nos dá uma sensação apaziguadora, e é isso que Porto Alegre tem de bom: ela cumpre com os portoalegrenses o que o Rio cumpre com os cariocas e São Paulo cumpre com os paulistas: não há desapontamento. A cidade piora e a gente segue amando-a do mesmo jeito.

É um amor comodista, amor de casamento, amor de chinelo usado, de lado certo no colchão, de sempre a mesma xícara no café da manhã: estando tudo igual, é o que basta. Quando abre um restaurante novo, é como um sábado. Abre um novo museu, é como um feriado. Mas a cidade é o entorno disso tudo, é o que lhe é imutável, o seu astral.

Não gosto de discursos, de hinos, e muito menos de celebrar o inanimado. Porto Alegre é um conjunto de bairros que possuem várias ruas com inúmeros prédios: tudo muito concreto.

E também árvores brotando do calçamento, bom número de praças e parques, o charme de alguns morros e um lago/estuário/rio – cada um chama o Guaíba como prefere. Uma cidade. Uma capital. Um lugar. Dá para se comover com isso?

Comoção não é a palavra que me ocorre. Mas cidade é casa. Endereço fixo. Como nossa cama, como nosso travesseiro, não há hotel cinco estrelas que substitua.

Nossa cidade é o que há de mais parecido com um útero. Porto Alegre, pra mim, poderia ser celebrada junto com o Dia das Mães. E mãe pode ser boa, ruim, exigente, negligente, sufocante, distante, o que for – não há como lhe ser indiferente.

Não compactuo com a música que diz que “Porto Alegre é demais”, sei que há lugares bem melhores do mundo, mas é onde fui gerada e criada, e isso não tem concorrência. Não é apenas onde estou. É onde sou.

Um lindo domingo para você


28 de março de 2010 | N° 16288
PAULO SANT’ANA


Um final já esperado

Quando o juiz se preparou para ler a sentença, por volta de 0h30min de sábado, um silêncio profundo tomou conta da sala do júri. Lado a lado, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, tensos, com os nervos retesados, começaram a ouvir a relativamente longa introdução, até que chegou o momento de serem declarados culpados por vários crimes, com a apenação: 31 anos e um mês de prisão para Alexandre e 26 anos e oito meses de prisão para Anna Carolina.

Alexandre apenas tirou os óculos e mergulhou em profunda meditação. Anna Carolina ficou encostada à parede, compungida.

O advogado de defesa, Roberto Podval, ouviu a sentença, caminhou alguns passos até os réus e anunciou a eles que iria recorrer da sentença.

Cumpri um dever profissional e de consciência de permanecer acordado até as 3h de sábado, para esperar pela sentença e divulgá-la em apenas uma frase na coluna de sábado, na edição que circulou na Capital, e agora por inteiro nesta coluna de domingo.

Não poderia, depois de ter escrito cinco colunas consecutivas sobre o julgamento desde segunda-feira passada até sexta-feira, deixar de escrever em cima da hora do resultado final do júri.

Não foi divulgada a contagem de votos do veredicto, mas acredito que foi de 4 a 0, pois a nova lei do júri não exige a contagem final dos votos dos jurados. Quando chega a quatro, o juiz cessa a contagem e considera o julgamento encerrado.

Suponho que os primeiros quatro votos pronunciados tenham sido condenatórios.

O fato é que os jurados, em sua maioria, aceitaram todos os elementos básicos da acusação e suas qualificadoras.

Os jurados, visivelmente, recusaram a totalidade dos argumentos da defesa.

Uma multidão esperava até a última hora o resultado do julgamento, na rua, em frente ao Fórum de Santana.

Quando o resultado do julgamento foi anunciado, a multidão prorrompeu em palmas e foram ouvidos e vistos fogos de artifício detonados do seio da multidão.

Segundo o advogado de defesa, a opinião pública paulista e brasileira tinha condenado antecipadamente os réus, não era preciso julgamento. Também foi dito, erradamente, que a imprensa tinha condenado antecipadamente os réus.

E, agora, os jurados também condenaram.

A sentença, assim, tem todas as características de ser definitiva, apesar de que foi anunciado que a defesa já tinha recorrido da sentença.

Talvez seja muito difícil que o Tribunal de Justiça de São Paulo venha a reformar a sentença.

Explicou-se que a condenação foi por crime hediondo, pelo que não poderá haver progressão do regime (passagem dos réus para cumprimento da pena em regime semiaberto), antes de decorridos 12 anos da sentença.

O que quer dizer que foi uma das mais severas penas a que foram condenados réus brasileiros em todos os tempos. Severíssima sentença. Não houve contemplação.

A pena mais grave coube a Alexandre, maior do que a de Anna Carolina, pelo fato de ele ter cometido o crime contra um descendente, sua filha.

Encerra-se assim, talvez definitivamente, um dos casos mais palpitantes da Justiça Criminal brasileira e paralelamente da crônica policial no Brasil.

O sentimento emergente do julgamento pela opinião pública é de que se tinha feito justiça.

Embora, é claro, entre a opinião pública existam pessoas, raras no meu sentir, que julgam os Nardoni inocentes.


28 de março de 2010 | N° 16288
MOACYR SCLIAR


O Brasil mudou

Somos hoje um país maduro, consciente, um país que sabe o que quer

Há alguns dias, e junto com centenas de pessoas, assisti, na Academia Brasileirra de Letras, a uma conferência magistral: Fernando Henrique Cardoso falou sobre Joaquim Nabuco, cujo centenário transcorre este ano.

É simplesmente impressionante a cultura, a fluência, e a capacidade de magnetizar o público do ex-presidente. Claro, FHC é sociólogo e foi professor na USP; tem, portanto experiência em palestras, mas seu desempenho ao microfone é fora de série.

Falou durante uma hora e meia, sem que a gente notasse o tempo passar; no final, foi aplaudido de pé. Uma senhora que estava atrás de mim comentou: Este, sim, é que é o cara. O Lula não está com nada. Uma observação aliás provocada pelo próprio Fernando Henrique, que não deixou de dar uma alfinetada no Lula quando, ao falar sobre uma possível aproximação do Brasil com os Estados Unidos, acrescentou: Que o presidente Lula não nos ouça.

Não falta quem compare Lula e FHC. Uma comparação que, para o primeiro, é desvantajosa: Lula tem origem humilde, não frequentou universidade, sua bagagem cultural (livresca, pelo menos) é modesta. Mas, tirando esse aspecto, que aliás não prejudica a fantástica popularidade do atual presidente, podemos dizer que os dois são mais parecidos do que diferentes.

Há um denominador comum, uma continuidade entre suas gestões; podemos dizer que, nesse período, o Brasil não apenas avançou, não apenas se modernizou, como mudou profundamente sua cultura política; escândalos à parte, e eles ocorrem em qualquer lugar, somos hoje um país maduro, consciente, um país que sabe o que quer. Demonstram-no os quatro potenciais candidatos à presidência. Dilma, Serra, Marina, Ciro são pessoas sérias, inteligentes, dinâmicas, combativas.

E têm muito em comum: embora não possam, os quatro, serem rotulados como de esquerda estão muito longe da direita, ao menos daquela direita clássica, autoritária, que durante muito tempo foi uma presença constante no cenário brasileiro; e estão longe de figuras no mínimo estranhas como Jânio e Collor. A rigor, os candidatos não são inimigos entre si, suas ideias não se opõem drasticamente.

Competem, pela simples razão de que só um (ou uma) pode ocupar a presidência; e só poderá nomear uma pessoa para cada ministério, para cada cargo de chefia; uma briga que não raro envolve prestígio e interesse. Mas competição faz parte da democracia. A tarefa dos eleitores será de escolher, não o menos ruim, mas o melhor. Um dilema que, convenhamos, é o sonho de qualquer país.

Não faltaram contradições à trajetória de Joaquim Nabuco. De ascendência aristocrática, criado no engenho de propriedade da família, deu-se conta, ainda criança, da vergonha que era a escravidão. A partir daí, tornou-se um abolicionista fervoroso.

Mas era um fã da Inglaterra e dos Estados Unidos, era monarquista, e gostava de desfrutar dos prazeres da vida, o que seria suficiente para que um esquerdista extremado o classificasse como burguês reacionário. No entanto, e apesar das contradições, Nabuco deu uma enorme contribuição para que o país mudasse.

E criou um modelo de ação política que agora assume sua expressão maior – e mais promissora. Cem anos depois de sua morte estamos chegando lá.


28 de março de 2010 | N° 16288
DAVID COIMBRA


Augusto sabia dar chutão

Há quem seja zagueiro na vida. Se Júlio César era o camisa 10 da Roma Antiga, o zagueirão foi seu sucessor, Otávio Augusto.

Como bom zagueiro, Augusto era um homem prudente. Ressalte-se: um zagueiro não teme o perigo, até porque amiúde o enfrenta. Mas um zagueiro jamais é temerário. Um zagueiro não se arrisca. Augusto, as guerras que travou foram calculadas para redundar em sucesso. Ele jamais empreenderia uma campanha contra os partos, por exemplo.

Esses partos, eles nunca foram conquistados pelos romanos. Eram guerreiros ferocíssimos. Em combate, empreendiam a famosa “carga parta”: investiam com a cavalaria a todo galope contra as formações retangulares dos romanos.

Quando os legionários se punham ao alcance de uma flechada, avançavam mais alguns metros e davam meia-volta com seus cavalos. Durante esse movimento semicircular, giravam o corpo em cima da sela e, fazendo pontaria por sobre o ombro, disparavam suas flechas, perfurando as armaduras e os escudos dos romanos, dizimando as legiões.

Foi assim que o general Crasso se transformou em adjetivo. Crasso tinha tudo na vida: dividia o poder máximo do império com Júlio César e Pompeu, havia sufocado a revolta dos escravos comandada por Spartacus, era um astro. Mas decidiu atacar os partos.

Tsc tsc.

Vinte mil de seus homens morreram em combate, outros 10 mil foram aprisionados e o próprio Crasso acabou tendo a cabeça separada do corpo por um golpe de espada, o que é bem ruim para a carreira de um general.

O fracasso de Crasso (rimou!) virou símbolo de erro estratégico. Donde o “erro crasso”. Imagine o seu nome tornar-se sinônimo de erro monumental.

– Você cometeu um erro wianey carlet, por isso será demitido.

Erros que tais, Augusto não cometia. Tratava-se de um meticuloso. Um ser racional. Não se deixava embalar pelas paixões carnais, fraqueza de tantos próceres do império. Cleópatra se ofereceu a ele, como havia se oferecido a César e Marco Antônio e, ao contrário de César e Marco Antônio, ele a rechaçou.

Os escândalos da família ficavam por conta da filha Júlia, que, segundo os cálculos de certos historiadores, repoltreou-se com 80 mil homens, o que deve ser algum recorde. Não sei se acredito neste número.

Porque, pense bem: Júlia viveu 54 anos, dos quais digamos que 30 tenham sido sexualmente ativos. Para alcançar a façanha de somar 80 mil amantes, teria de interagir com 2.666,666 amantes por ano, o que dá uma média de 7,3 amantes por dia. Sete homens grandes e um pequenininho, talvez. Sem repetir um só. Sem faltar nem nos feriados e dias santos. Convenhamos, é muito homem.

De qualquer forma, é certo que Júlia se dedicava com afã à atividade, porque o próprio pai, o nosso zagueirão Augusto, a baniu de Roma sob a acusação de adultério. Quer dizer: Augusto não vacilava nem quando a família estava envolvida. Se tivesse que dar chutão, dava.

Mário Fernandes, que está a caminho de ser o camisa 3 da Seleção, precisa desenvolver essas tão preciosas virtudes do comedimento e da prudência. Contra o Novo Hamburgo, cometeu um erro que, por pouco, não foi crasso: deixou de mandar pela lateral uma bola disputada entre ele e um atacante inimigo, quando não havia ninguém mais até o gol de Victor.

Mário quis sair jogando, perdeu a bola, teve de fazer a falta e levou cartão amarelo. Zagueirões não têm medo de dar chutão para a lateral. Zagueirões não têm vergonha de fazer tratado com a Pártia, como fez Augusto. Zagueirões evitam o erro, não se expõem a ele.


Ideologia na cartilha

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...

Marcelo Bortoloti- Fotos


À caça de bons mestres

O colégio paulistano São Domingos e o estadual Pedro Álvares Cabral (no detalhe), no Rio: um desafio em comum

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau.

A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo.

Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história).

Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo".

O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos.

Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883).

Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original".

Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".

Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971.

Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso.

À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro.

Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.

Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou.

Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil".

Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

Lya Luft

Medo do medo

"Querendo ser politicamente corretos, estamos cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico"

Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos -narrativas populares, orais, de povos muito antigos.

Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.

Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram.

Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.

Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas.

Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.

Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.

Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato?

Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.

Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai.

Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança.

Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.

Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas.

Lya Luft é escritora


Toyota suspenderá produção na França e no Reino Unido

Maior montadora do mundo vai parar por alguns dias operações nos dois países para se reorganizar na Europa; vendas devem cair em 2010

AP Photo/Eugene Hoshiko, File

Operário da Toyta com uma das peças que causou o recall

A montadora japonesa Toyota suspenderá temporariamente a produção de suas fábricas na França e no Reino Unido, a partir do final de março, por causa da demanda mais fraca por seus veículos na região depois de uma série de recalls mundiais. A interrupção da produção coincide com ajustes de produção planejados em duas fábricas da Toyota nos EUA por até duas semanas em março e abril, a fim de evitar que os níveis de estoque aumentem.

Entre os dias 6 a 9 de abril, a produção na fábrica da França será paralisada, e é possível uma nova interrupção da produção no fim mês. As operações serão interrompidas no Reino Unido por um total de oito dias, a partir da próxima segunda-feira (29) até quinta-feira (1º), e entre os dias 6 e 9 de abril.

A interrupção no Reino Unido ocorre em um momento no qual a empresa renova sua linha de produção para começar a fabricar uma versão híbrida do hatchback Auris ainda este ano, e também acontece antes de uma planejada paralisação em uma de suas duas linhas de produção do Reino Unido prevista para agosto.

O executivo-chefe da divisão europeia da Toyota, Tadashi Arashima, afirmou no início do mês que a montadora prevê uma queda de suas vendas na Europa este ano, diante da recessão, do fim do programa do governo federal americano "Dinheiro por Sucata" e das consequências sobre a demanda do recall de seus veículos.

Em 2009, a montadora vendeu 730.831 veículos na Europa, queda de 4,7% em comparação com o ano anterior. A participação de mercado da Toyota foi de 5%. A Toyota afirmou que pretende finalizar os detalhes da primeira grande reorganização das suas instalações de produção até ao verão, para evitar uma queda abrupta na rentabilidade. A Toyota é a maior montadora do mundo em volume de vendas.


27 de março de 2010 | N° 16287
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Troféus - Final

Antes do inicio da guerra o Paraguai era um país com muitos recursos, governado por um líder que encarnava as maiores aspirações de seu povo e cujos soldados se fariam logo notáveis pela extraordinária bravura. Surpreendendo todo mundo, Francisco Solano Lopez iniciou as hostilidades prendendo o governador do Mato Grosso que subia de navio o rio Paraguai para tomar posse.

A agressão repercutiu terrivelmente na corte do imperador Dom Pedro II. Aparentemente, o Paraguai não tinha outra opção ao se sentir encurralado pelos seus poderosos vizinhos, sem saída para o mar.

Aí o ditador paraguaio cometeu erros graves: para chegar ao Rio Grande do Sul, invadiu a Argentina, país onde tinha grandes admiradores entre políticos e militares. Invadiu o Mato Grosso, uma região desértica, sem objetivos militares, que não oferecia perigo nenhum ao Paraguai. Invadiu São Borja, com 8 mil soldados, depois de muitos preparativos. Apesar dos insistentes alertas e pedidos de reforços do Brigadeiro David Canabarro, o ex-general farroupilha, não lhe deram qualquer atenção.

Os paraguaios, descendo pela margem esquerda do Rio Uruguai depois de tomarem São Borja, tomaram Itaqui e Uruguaiana, onde foram cercados e rendidos por soldados de Brasil, Argentina e até Uruguai, que também havia sofrido invasões.

A partir de então o Brasil se arma decisivamente para o conflito, aceitando o apoio financeiro e diplomático da Inglaterra. A Guarda Nacional é ativada. Em todas as partes criam-se corpos de Voluntários da Pátria. Começa a sucessão de batalhas homéricas que vão empurrando os paraguaios de volta.

O Brasil, que se mobiliza rapidamente transformando até escravos em soldados, sabe que, apesar dos tratados, não pode contar muito com o auxílio militar do Uruguai e da Argentina, países que entraram na Tríplice Aliança meio a contragosto. O Brasil toma Assunção com as igrejas silenciosas, porque até os sinos Solano Lopez tinha fundido para transformá-los em canhões...

Com a euforia da vitória, houve saques e violações. Meninos guaranis foram trazidos para o Brasil, onde muitos guardam até hoje a lembrança dessa herança genética, como a minha própria família.

Mas foram trazidos também troféus, até um artístico punhal do próprio Francisco Solano Lopez, de prata e ouro e cravejado de diamantes, peça que conheci com o professor Armando Câmara. Lopez morreu lutando, de espada na mão, como morrera seu filho Panchito, quase um menino, que recusou a rendição oferecida por Joca Tavares.

Agora fala-se em devolver os troféus. Sou contra. Eles custaram catadupas de sangue. Quem vai devolver mortos? Os museus argentinos exibem até hoje troféus tomados do Brasil na batalha do Passo do Rosário. Jamais se cogitou da sua devolução. Troféus custam sangue e sangue não se devolve.


27 de março de 2010 | N° 16287
CLÁUDIA LAITANO


Perelman e o subsolo

Durante pouco mais de 40 anos, entre a emancipação dos servos, em 1861, e a pré-revolução, em 1905, a Rússia viveu uma explosão de criatividade e excelência literária.

De Almas Mortas, de Gogol, aos últimos contos de Tchekhov, que morreu em 1904, foram tantas obras-primas, que o sujeito determinado a passar a vida inteira apenas “lendo os russos” pode morrer tranquilo: terá entrado em contato com algumas das maiores obras já produzidas pelo espírito humano, em abrangência e profundidade.

Quem coloca na cabeceira da cama Guerra e Paz, Anna Karenina e A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi, e mais Crime e Castigo, Memórias do Subsolo, O Idiota e Os Irmãos Karamazov, de Dostoeivski, pode correr algum risco de soterramento literário no meio da noite, mas de tédio ou pobreza de espírito não morre.

À primeira vista, parece quase absurda tamanha conjunção de talentos em uma mesma época e em um mesmo território, mas vamos combinar que a história deu uma mãozinha, criando o ambiente claustrofóbico que acabaria desembocando na revolução de 1917 – não sem antes deixar sua marca em todos os grandes autores, alguns de maneira assustadoramente profética.

A literatura russa é cheia de pressentimentos e predições, angústias existenciais e dramas éticos, e cada um desses mergulhos aos porões da alma humana poderia se espelhar nos acontecimentos históricos que, naqueles anos, já preparavam a chegada do século 20.

Pois eis que, em pleno 2010, surge um personagem real que parece saído de um livro de Dostoievski – mais especificamente de Memórias do Subsolo (1864), obra-prima que influenciaria autores como Kafka, Beckett e Camus, entre outros.

Nós, os leigos, provavelmente jamais teríamos tomado conhecimento da existência do matemático Grigory Perelman, 44 anos, se ele não tivesse recusado o prêmio de US$ 1 milhão oferecido pelo Instituto Clay de Matemática por ter resolvido, em 2003, a Conjectura de Poincaré, formulada pelo matemático francês Jules Henri Poincaré, no início do século passado, e até então sem solução.

Considerado um dos maiores gênios vivos do mundo, Perelman explicou esta semana por que não teve nenhum interesse em ir receber a bolada. Sem abrir a porta de seu apartamento infestado de baratas, em São Petersburgo (a cidade em que se passa Memórias do Subsolo), Perelman despachou o jornalista que tentava entrevistá-lo com a seguinte frase: “Tenho tudo que preciso”. Uma vizinha contou que ele tem em casa apenas uma mesa, um banquinho e uma cama com um lençol deixado ali pelos antigos donos.

Como Perelman, o narrador do livro de Dostoievski é um esquisitão que diz verdades perturbadoras em meio ao delírio misantropo. O personagem atribui ao “excesso de consciência” a dificuldade de viver como os homens comuns (os que seriam capazes de virtualmente qualquer coisa por US$ 1 milhão): “Não consegui chegar a nada, nem mesmo tornar-me mau: nem bom nem canalha nem honrado nem herói nem inseto.

Agora vou vivendo os meus dias em meu canto, incitando-me a mim mesmo com o consolo raivoso – que para nada serve – de que um homem inteligente não pode, a sério, tornar-se algo, e de que somente os imbecis o conseguem”.

Dostoeivski pode não ter “previsto” Perelman, mas seu anti-herói preparou terreno para todos os esquisitões que, saindo da norma, revelam não apenas a sua loucura, mas um pouco das nossas também.

sexta-feira, 26 de março de 2010


JOSÉ SIMÃO

Páscoa! A volta do túnel de ovo!

E os textos do Bial? Parece texto chinês de cabeça para baixo! Ninguém entende!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Olha esse anúncio no classificado de sexo: "Não sei fazer nada, mas faço de tudo". Rarará!

Socuerro! A volta do túnel de ovo! Alguém já foi ao supermercado esses dias? Só tem ovo de Páscoa! É tanto ovo pendurado no teto que a gente tem que fazer compra de quatro. Sabão em pó? Não tem. Tem ovo. Desodorante?

Não tem. Tem ovo. Túnel de ovo. E com a eterna placa: "Favor não apertar os ovos". Aiiiiiii. Só de ler, senti dor! Custa escrever "de Páscoa"? Favor não apertar os ovos VÍRGULA de Páscoa!

E os textos do Bial? Parece um texto chinês de cabeça pra baixo! Ninguém entende nada. Eu vou escrever a BIALGRAFIA do Bial intitulada "OI, BIAL!". E diz que o Bial vai entrar pra Academia Brasileira de Letras apoiado pela Ana Maria Braga e o Louro José. Rarará!

E a Nair Bello do Twitter disse que uma menina de 14 anos falou pra ela no elevador que os amigos torcem pelo Dourado porque têm medo de serem chamados de gays! No comments. Os aburrescentes!

E socuerro! Eu não consigo me livrar do Sarney. "Suíça bloqueia conta de filho de Sarney." Todo mundo no Brasil é filho do Sarney. Quem não é filho do Sarney é porque não fez exame de DNA. Rarará! Sarney, o Morimbundo de Fogo.

Tem gente que só se conhece pela televisão. Desde menino que eu vejo o Sarney na televisão. Aí, a gente vê o Sarney envelhecer pela televisão. O Sarney envelheceu pela televisão! A gente cria apego. Rarará! O Maluf e o Sarney vão ser indiciados por formação de família!

E olha a placa num bordel em Canaã, no Pará: "É proibido entrar mulher particular". E a frase masculinista do dia: "Casamento é um workshop, enquanto um work, a outra shop". Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Duro, mas desce!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. É que em Pedra do Guaratiba, no Rio, tem uma loja de construção chamada Primeira Loja Bicha Louca! Ueba! Então vai ter uma rede Bicha Louca! Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Condoído": companheiro depois do exame de próstata. Rarará! O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

O totem da impunidade

BRASÍLIA - Justiça se faça aos maus políticos brasileiros: eles não são nada modestos. Afora o Severino Cavalcanti, escorraçado da presidência da Câmara porque recebia propina de, sei lá, uns R$ 2 mil por mês do restaurante, os encrencados não querem saber de merreca.

Vejamos o deputado, ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf. Numa única conta no exterior, no Safra National Bank da 5ª Avenida de Nova York, ele tinha US$ 11,7 milhões em depósitos de 1998, justamente, ora, ora, quando era prefeito de São Paulo e tocava a obra da então avenida Água Espraiada.

Vejamos agora o empresário Fernando Sarney, que vem de uma das mais conhecidas famílias políticas brasileiras. Só numa das suas aparentemente muitas contas no exterior, a da plácida e liberal Suíça, ele tinha US$ 13 milhões.

Maluf vive às voltas com a Justiça e as suspeitas no Brasil há três décadas, e não acontece nada. Faltou combinar com a Interpol, que o colocou na sua "lista vermelha" de procurados mundo afora. Significa que Maluf pode circular à vontade e em grande estilo no Brasil, mas não pode botar os pés em 181 outros países. O risco é ir em cana.

Os Sarney mandam no Maranhão lá se vão uns 50 anos. O resultado é o pior IDH e os piores desempenhos de alunos em matemática e em português do país, mas Lula se atirou de cabeça na operação para manter o patriarca na presidência do Senado.

Faltou combinar com a PF, a Justiça e o governo suíço -que bloqueou a conta milionária e ilegal justamente quando ela tentava voar sorrateiramente para o paraíso fiscal de Liechtenstein.

Você imagina o que sejam US$ 11,7 milhões ou US$ 13 milhões? Seriam fundamentais para milhares de vidas brasileiras, mas uma pessoa ou uma família não conseguem sequer gastar em gerações. São como um totem, o totem dinheiro, com tudo o que atrai de poder, de endeusamento.

Ou seja: um desvio patológico alimentado pela impunidade.

elianec@uol.com.br


Susan Boyle e os milagres de todos os dias de nós todos

Eu poderia falar aqui do júri do caso Isabella Nardoni, poderia falar do ruído infernal da obra aí ao lado, da violência cotidiana, das mortes no trânsito do fim de semana, da politicalha-corruptalha ou poderia, simplesmente, ficar falando da falta ou do excesso de assunto e da dificuldade de escrever sobre alguma coisa, hoje em dia, para leitores tão bem informados. Poderia também inventar algo interessante para entreter e informar os leitores amigos.

Mas como não falar de Susan Boyle, a inglesa simpática, interiorana, feinha, gordinha que, aos 48 anos, desempregada, conseguiu realizar o sonho de se tornar cantora profissional?

Ninguém estava dando a mínima quando ela pisou no palco, usando vestido simples, cabelos em desalinho, desengonçada, pouco maquiada e enfrentou o show de calouros Britain´s Got Talent. Sorrisinhos irônicos brotaram quando ela disse que queria ser cantora profissional e todo mundo já anteviu o sonoro gongo.

Mas ela soltou a voz e, em questão de segundos, os queixos dos jurados e da plateia bateram no piso do teatro quando ela começou a entoar I dreamed a dream, canção do consagrado musical Les Misérables. Mais alguns segundos e as lágrimas vieram, inevitáveis, de quase todo mundo que a assistiu.

Fui o número 89397892 a entrar no YouTube para ouvi-la e fiquei feliz em saber que Susan vai receber R$ 10 milhões pela venda de discos. Ela vai comprar uma casa, tentar manter as raízes, seguir cantando, ser feliz.

Pessoas como Andrew Lloyd Webber (O Fantasma da Ópera) a querem como parceira e várias outras celebridades já são seus fãs declarados. Susan não ganhou o tal concurso de calouros. O prêmio de R$ 320 mil para ela seria merreca. Mas o fato é que ela e nós ganhamos ânimo para apostar nos próprios sonhos e nas possibilidades de mudança e realização. Há quem diga que a coisa toda foi uma farsa. Nem tenho como opinar. Se foi armação, certamente foi uma armação do bem.

Prefiro ouvir a voz linda de Susan Boyle e pensar que ela faria um dueto fantástico com Judy Garland, cantando a imortal Over the rainbow. Jorge Luis Borges, o genial escritor argentino, pouco tempo antes de nos deixar deixou como mensagem final o desejo de que a gente não esqueça nunca dos sonhos.

A vida é sonho e os sonhos, sonhos são, decretou Calderon de La Barca, há séculos. Bons sonhos, boas realizações e poucos entraves e conversas chatas para todos nós.

Uma linda sexta-feira para vc e um ótimo fim de semana


Intrigas, vaidades, segredos e solidão do escritor

No romance de formação Chá das cinco com o vampiro, o consagrado escritor paranaense Miguel Sanches Neto, nascido em 1965 e autor de romances famosos como Chove sobre minha infância, Um amor anarquista e A primeira mulher, e do livro de contos Hóspede secreto, trata de temas candentes como a vaidade, a literatura, a fama, a relação entre mestre e discípulo e, principalmente, sobre a intriga e a arte da maledicência. Sanches Neto acha que todos são maledicentes, em maior ou menor grau, em especial escritores paranaenses.

Sobre as suspeitas de que a narrativa envolva uma polêmica versão da rompida amizade do autor com o genial contista paranaense Dalton Trevisan, escritor notoriamente avesso a fotos e entrevistas, Sanches Neto diz que o romance trata das relações entre um jovem um escritor e um campo literário, e todos os personagens são seres de ficção, valendo pelo que representam dentro do romance e não fora dele. Sanches diz que a narrativa seria sua versão para o imortal romance Ilusões perdidas, de Balzac.

Em artigo publicado no jornal Rascunho, Sanches Neto diz que o livro não é a favor nem contra Dalton Trevisan e que sequer é sobre ele. O fato é que, intrigas à parte, o resultado literário da empreitada de Saches Neto é bom.

Em seu romance de formação, o autor mostra personagens que lutam com sua incompletude e utiliza a história antiépica do jovem em busca de si mesmo para refletir sobre a solidão do escritor.

Em paralelo é traçado um painel ácido do mundo literário, com seus personagens quixotescos e suas costumeiras batalhas de ego. Sanches Neto, que além de doutor em Letras pela Unicamp é colunista do jornal curitibano Gazeta do Povo, em sua narrativa trata do conflito entre tradição e modernidade, de superação do pai pelo filho e, fundamentalmente, da luta do discípulo para encontrar um caminho próprio.

A narrativa é ágil, madura, rigorosa, delicada e plena de reflexões de poesia. O jovem interiorano busca seu caminho, seu lugar ao sol e seu reconhecimento na capital, tornando-se discípulo do famoso escritor excêntrico. Mas em pouco tempo, a sensação de deslocamento o domina e ele se torna refém de um círculo vicioso de mesquinhez e inveja.

Como se vê, Sanches Neto toca em temas universais da literatura, a partir de vivências e cores do interior e da capital. Em síntese, o autor mostra que muitas vezes a ruína de um homem, pode, ao mesmo tempo, significar sua redenção. Editora Objetiva, 236 páginas, R$ 39,90, www.objetiva.com.br.


26 de março de 2010 | N° 16286
PAULO SANT’ANA


É duro ser jurado

Conversávamos eu, a Maria Isabel Hammes e o Moisés Mendes, meus colegas de Zero Hora, sobre o assassinato da menina Isabella, quando a Maria Isabel me disse:

– Tu não queres saber o que penso sobre este crime, não é?

Pensei comigo que ela inocentava os réus, mas disso tive certeza quando ela afirmou:

– Se eu fosse jurada, absolveria os dois.

É, tem gente que absolve, o mundo não é só feito dos que condenam neste caso dos Nardoni.

Maria Isabel foi mais veemente quando eu disse a ela que as perícias indicavam claramente ser o casal o autor do crime:

– Que perícias, nada. As perícias dizem só que “pode ser isso”, “pode ser aquilo”, não são taxativas. O que estão fazendo com esse pobre casal é uma injustiça.

Perguntada se leu nos jornais sobre o crime, Maria Isabel afirmou que leu tudo em Zero Hora sobre o crime.

Chega-se então à conclusão de que duas cabeças podem pensar diferente. Eu, que acompanho esse caso há dois anos, lendo os principais jornais brasileiros sobre o fato, acredito piamente que Alexandre e Anna Carolina são culpados, já minha colega de jornal Maria Isabel pensa o contrário.

Por isso é que é interessante que os jurados sejam sete. É um campo mais vasto para a discordância.

Entre dar minha opinião aqui no jornal de que os dois réus são culpados e pronunciar um voto no Conselho de Sentença sobre a culpabilidade de um réu, vai um abismo de distância.

Votar para que uma pessoa vá para a cadeia é uma responsabilidade muito grande: por isso é que existe o adágio de que, caso haja dúvida, o voto tem de ser favorável ao réu.

Diante disso, no julgamento de Alexandre e Anna Carolina, o dever que se impõe aos advogados de defesa é suscitar dúvidas no espírito dos jurados. Qualquer pessoa que tiver dúvida inocenta o réu.

Escolher alguém como culpado implica ter a absoluta certeza de que é culpado, não pode pairar qualquer dúvida sobre isso. Se pairar a mínima dúvida, tem de inocentar.

Da mesma forma, a tarefa transcendental da acusação nesse julgamento é incutir no espírito dos jurados que é indiscutível, irreparável a culpabilidade do casal de réus.

A acusação terá de convencer os jurados de que não havia ninguém mais naquele apartamento, que a menina já tinha sido agredida antes mesmo de entrar no apartamento, que houve uma esganadura intempestiva da menina por Anna Carolina e que para apagar os vestígios dessa agressão quase fatal Isabella foi atirada pela sacada.

E principalmente provar que, da garagem até o apartamento, a menina esteve sempre sob a guarda de Alexandre e Anna Carolina. Eles, portanto, eram os únicos responsáveis pela integridade dela.

Mas comentar aqui na coluna o caso, o que sinto ser meu dever, é uma coisa. Outra coisa é pronunciar um voto condenando.

Tanto quem condena quanto quem absolve corre o risco do remorso.

Eu não queria estar na pele dos sete jurados.