segunda-feira, 4 de janeiro de 2010



04 de janeiro de 2010 | N° 16205
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Verão ao Sul

O melhor momento para hibernar é no verão do Sul. O melhor a fazer é retirar-se para uma caverna.

Assim como há pessoas que em 15 minutos de conversa nos ocupam um dia inteiro, o verão, com seus três meses, preenche a eternidade.

O verão é excessivo e brutal.

No verão fica suspensa nossa capacidade de criar, nosso sexto sentido, todas as emoções humanas – até a capacidade de apreciar a arte e de escutar o próximo.

Querem ver um homem de Neanderthal, um homem de Cro-Magnon? Procurem-no no verão. Ele anda pelas ruas da cidade, com seu olhar desvairado. Alguma tese ainda demonstrará que, no verão, o cérebro humano diminui sua capacidade de pensar.

No verão as coisas perdem seu significado: um cão deixa de sê-lo; a comida é uma armadilha; as roupas transformam-se em mortalhas ensopadas de suor. Os livros desbeiçam-se, os sabiás deixam de cantar e caem-nos os cabelos.

Naufragados num charco de umidade e calor, as pessoas assemelham-se a moluscos.

O raciocínio vegeta: deixamos de ser cartesianos e passamos a acreditar em magia negra. Desaparece o raciocínio dedutivo. Quando muito, fazemos palavras cruzadas ou colecionamos selos. Não há metafísica, no verão; só filosofia de almanaque.

Aceitamos qualquer ideia, por mais absurda que seja, pelo simples desânimo de combatê-la. No verão esquecemos de tudo: a tabuada, o acordo ortográfico e a concordância nominal.

Dante, ao descrever tão bela e horrivelmente o Inferno, podia esquecer as chamas, os rios e as muralhas de fogo, as chuvas putrefatas; bastava colocar suas abomináveis personagens no pleno verão do Sul e pronto: era a segurança da mais abrasadora das punições.

Deve haver algo pior do que o verão, embora ainda não saibamos o que seja.

Reconheçamos, entretanto, uma enorme e positiva qualidade ao verão do Sul, uma só, mas capaz de redimi-lo por completo, capaz até de que o aplaudamos: é a estação que anuncia o outono.

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