01 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Portugal à frente do Brasil
Tenho de escrever sobre a autobiografia do Woody Allen. Mas não hoje. Hoje, queria pôr em negrito uma única inferência que extraí do livro: a importância de Nova York. Woody Allen não seria quem é se não fosse de Nova York. Ele é um subproduto da cidade, de seus cinemas, de seus museus, de seus teatros, das pessoas que vivem lá.
É curioso como certos lugares, em certas épocas, se tornam centros da civilização. Florença no século 15. O dinheiro dos Médici atraiu para Florença alguns dos maiores gênios da humanidade em todos os tempos, além de outros protagonistas da História. Maquiavel chegou ao cúmulo do maquiavelismo ao reunir Leonardo da Vinci e Michelângelo numa espécie de campeonato artístico que eletrizou a cidade. Quem era o melhor dos dois prodígios? A pergunta ficou sem resposta - o campeonato acabou empatado.
Na mesma época, na mesma bota italiana, conviviam Rafael, Pico della Mirandola e a sensual família Borgia, com a bela Lucrécia derramando do oco do seu anel o veneno cantarella na taça de vinho dos desafetos. E é claro que, como reação, surgiu também a figura sombria do frei Savonarola, que pregava contra os excessos da cidade e mandava queimar tudo o que fosse luxo ou supérfluo na fogueira das vaidades. Nessas fogueiras tão sacras quanto obscurantistas, os florentinos carbonizaram roupas, móveis, livros, espelhos e obras de arte. Outro mestre da época, Sandro Botticelli, cometeu o crime de atirar ao fogo algumas de suas pinturas. Felizmente, a Vênus se salvou.
Florença era o lugar para se estar, no século 15.
Já entre os anos 60 e 70 do século 20, você deveria ir para o Rio de Janeiro e sentar-se, de preferência, numa mesa do Antonio?s, perto de onde bebiam Vinicius, Tom, Chico, Francis e Armando Nogueira, ou daquela outra em que Rubem Braga tentava encantar Tônia Carrero, repetindo sua cantada infalível: "Tenho muita amizade pelo seu joelho esquerdo".
O ambiente pode estimular a criatividade. O homem de luzes se torna ainda mais iluminado quando se soma a outros homens de luzes. Tristemente, o contrário também acontece. É o que se constata agora, no século 21. As redes sociais conectaram as perfídias, e homens sórdidos ficam mais sórdidos com o apoio da sordidez alheia.
Experimente contemplar o espetáculo dos comentários de internautas, se você tiver estômago forte. Você verá que há multidões de seres humanos que param o que estão fazendo para ir ao computador ou ao celular a fim de ofender ou diminuir outra pessoa, ou para comemorar um revés de alguém. Não há nenhuma intenção de contribuir seja com o que for com aquele ato. É tão somente uma manifestação de recalque. Imagine o que é a vida de uma pessoa que faz isso. Imagine como ela é minúscula por dentro e por fora. Pois a internet deu sentido à existência desses anões espirituais.
Mesmo assim, o contato presencial, vis-à-vis, continua fazendo diferença, e é o que talvez possa salvar o mundo. Vou tomar um exemplo prosaico, porém atual, para ilustrar o que digo. Você viu a decisão da Copa Libertadores, no sábado? Foi um jogo soporífero, verdade. Mas você prestou atenção na forma como atua o Palmeiras, na movimentação coordenada da equipe e na quantidade de jogadas ensaiadas que o time tem à disposição? Isso é treino. É trabalho. É estudo.
Não por acaso, os dois últimos campeões da América são portugueses. Porque lá, em Portugal, eles estão à frente nessa tarefa particular, que é treinar um time de futebol. O ambiente, os exemplos, os intercâmbios de pensamentos fizeram com que os talentos se desenvolvessem. Hoje, Portugal está mais adiantado do que o Brasil nessa área tão cara aos brasileiros. Porque nada substitui o contato pessoal. Os seres humanos justificam a vida na convivência com outros seres humanos. E, às vezes, a transformam em algo sublime.
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