segunda-feira, 30 de outubro de 2023


30 DE OUTUBRO DE 2023
CLAUDIA LAITANO

Amigos

"É muito estranho viver em um mundo em que, se você morrer, as pessoas ficarão chocadas, mas não surpresas", diz Matthew Perry a certa altura do livro Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, lançado há um ano. Depois de passar boa parte da vida adulta lidando com dependência química, depressão e dezenas de tentativas frustradas de desintoxicação, o ator de Friends considerava-se um sobrevivente: "Eu deveria estar morto". No prefácio, Lisa Kudrow diz que perdeu as contas de quantas vezes ouviu a pergunta "como está o Matthew Perry?" ao longo dos últimos anos.

Direta ou indiretamente, a "coisa terrível" mencionada no título do livro cobrou a fatura no último sábado. Pode-se dizer que os fãs perderam um ídolo ou que a televisão perdeu um ator com um timing perfeito para a comédia. Pra mim, a sensação é parecida com a da perda de um velho amigo. Alguém com quem convivemos desde a juventude e que envelheceu conosco. Alguém que nos fez rir, durante quase 30 anos, das mesmas piadas bobas, reprisadas em looping desde que o último episódio da série foi ao ar, há 19 anos. Alguém que nossos filhos consideram "cringe", mas engraçado.

Matthew Perry escreveu suas memórias sem a ajuda de um ghost-writer, abordando com franqueza brutal os problemas mais graves, mas sem deixar de notar o lado cômico de algumas situações (quase conseguimos ouvir a entonação de Chandler fazendo piada consigo mesmo em alguns trechos). O ator conta que se identificou com o personagem assim que leu o roteiro da série: "Não é que eu achasse que poderia interpretar Chandler, eu era o Chandler". 

Criador e criatura vinham de famílias complicadas, sentiam-se socialmente inadequados e aprenderam a usar a ironia como escudo e tábua de salvação. Perry emprestou sua maneira de falar, sua fragilidade e até seus bordões ("poderia ser mais engraçado?") para que Chandler se tornasse não apenas um dos personagens mais queridos da turma, mas aquele que com mais naturalidade encarnou a pegada cômica da série.

Há dois anos, os seis atores de Friends voltaram a se reunir na TV. Os fãs aguardavam alguma espécie de reencontro, talvez até uma continuação da história, desde o fim da série. Em vez de retomar personagens ou recauchutar piadas antigas, os produtores optaram acertadamente pelo registro documental. Para o elenco e para os fãs, Friends: The Reunion (HBO) acabou sendo uma amorosa celebração da nostalgia.

Com o especial (em 2021) e a publicação do livro de memórias (em 2022), Matthew Perry saiu de cena acertando as contas com o próprio passado. Depois de tantos saltos mortais, uma aterrissagem surpreendentemente firme sobre os dois pés.

CLÁUDIA LAITANO

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