26 DE OUTUBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS
POSIÇÕES DESALINHADAS
Teria coerência o governo Luiz Inácio Lula da Silva se afastasse do cargo de conselheira de Itapu Binacional a tesoureira do PT, Gleide Andrade de Oliveira. A filósofa, nomeada pelo Planalto para o posto na estatal, onde ganha R$ 37 mil mensais, se manifestou em uma rede social no último fim de semana chamando Israel de "Estado assassino" e "vergonha para a humanidade".
Seria condizente com a atitude no caso do jornalista Hélio Doyle, demitido da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) após compartilhar mensagem que classificava apoiadores de Israel de "idiotas". Destino semelhante teve o assessor parlamentar Sayid Marcos Tenório, exonerado do gabinete do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) por ironizar uma israelense sequestrada pelos terroristas do Hamas.
Noticiou-se que, após estes dois últimos episódios, o governo orientou colaboradores a usarem o bom senso quando se referirem à guerra entre Israel e o Hamas, conforme a postura de neutralidade do país e por buscar ser um facilitador nas negociações diplomáticas voltadas à paz. A tentativa de alinhamento, pelo jeito, foi ignorada por Gleide Oliveira, que depois até se desculpou. Lamentavelmente não se pode negar que as declarações do gênero têm amparo em setores da esquerda que, no mínimo, encontram margem para relativizar a barbárie perpetrada pelo grupo que controla a Faixa de Gaza.
São visões que, aqui e ali, escapam inclusive nas entrelinhas, mesmo quando há uma tentativa de mostrar sobriedade e, de público, condenar os atos do Hamas. Foi problemático, por exemplo, um paralelo feito pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, em entrevista ao programa Roda Viva. Questionado sobre se o governo acreditava que o Hamas teria algum papel ao fim do conflito como representante dos palestinos, o ministro comparou o grupo ao Exército Republicano Irlandês (IRA, na sigla em inglês) e ao ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela. Pimenta ressaltou que tanto o IRA como Mandela foram rotulados como terroristas.
No caso do IRA, que renunciou à luta armada em 2005, o partido Sinn Féin, um dia braço político da organização, hoje participa da vida institucional da Irlanda do Norte, inclusive vencendo eleições. E Mandela, após 27 anos preso por lutar contra o apartheid, foi reconhecido como um dos maiores estadistas do século passado.
O IRA, é verdade, usou métodos terroristas como atentados a bomba, sempre injustificáveis, seja qual fora a causa. Calcula-se que conflitos em que se envolveu causaram cerca de 3,6 mil mortes, a maioria de civis. Seu maior objetivo era a independência em relação ao Reino Unido - não a aniquilação do Reino Unido.
Bastante disparatada é a comparação com Mandela, um líder reconhecido com o Nobel da Paz e que pregava a resistência não violenta, a reconciliação dos sul-africanos e a convivência harmoniosa de negros e brancos. O Hamas, ao contrário, tem como razão da existência o extermínio de Israel e é contra a solução de dois Estados, sendo um para a população palestina.
A pergunta dirigida ao ministro tinha como contexto o fato de o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ter prefaciado a versão brasileira de um livro sobre o Hamas. No texto, avalia que o grupo - que no último dia 7 matou indiscriminadamente e sequestrou não apenas israelenses, mas cidadãos de outros países - poderia ter papel central na restauração dos direitos palestinos. Os fatos já colidiam com a perspectiva de Amorim. Não se sabe se o assessor hoje se arrepende do que escreveu.
Deve ser repetido à exaustão que o Hamas não representa os palestinos. A causa palestina de ter um Estado próprio, soberano, com a autodeterminação do seu povo, é justa e deve ser apoiada. Os radicais em armas, no entanto, sequer cogitam a convivência pacífica com os israelenses defendida pelo mundo civilizado como melhor forma de encaminhar o fim das hostilidades históricas.
Lula, que deveria dar o tom das manifestações de sua equipe, tem condenado o ataque terrorista do Hamas e apontado excessos na resposta de Israel, por também produzir vítimas civis. Mas parte de seus comandados e seguidores ainda deriva para posturas de fundo antissemita e malabarismos retóricos para encontrar justificativas para o massacre do dia 7 de outubro.
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