10 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR
Assassinado por parecer ser
Torça para que você não seja parecido com nenhum miliciano ou bandido. Semelhanças nos levam à morte.
Porque você pode estar bebendo uma cervejinha no quiosque em frente ao seu hotel, no Rio de Janeiro, ao lado de amigos, banhado pela luz dos postes públicos, à beira-mar, descontraído no contraturno de seu congresso, motivo de sua viagem, e ser fuzilado sem dó nem piedade, sem ao menos entender o motivo de perder o futuro sumariamente, já que você nunca fez mal a ninguém, não tem inimigos ou ficha corrida.
Tampouco poderá se defender, já que não se trata de um assalto ou de entregar os bens, a carteira e o celular com as mãos para cima.
Foi o que aconteceu a três ortopedistas de passagem pela capital carioca, fuzilados num ataque brutal na madrugada de quinta-feira, na Barra da Tijuca. Um colega de medicina estava presente e se encontra hospitalizado.
Não houve conversa, não houve abordagem. A execução durou menos de um minuto. A perícia localizou 33 estojos (sobras de projéteis) de pistola calibre nove milímetros de cano curto no local do crime.
A principal linha de investigação aponta que os quatro médicos foram baleados por engano. A hipótese é a de que traficantes procuravam um miliciano da região de Jacarepaguá que se assemelha a uma das vítimas, o médico Perseu Ribeiro Almeida.
O alvo seria Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, que é filho de Dalmir Pereira Barbosa, apontado como um dos principais chefes de uma milícia que atua na Zona Oeste.
Imagens de câmeras de segurança mostram um carro branco parando sobre a faixa de pedestres em frente ao estabelecimento, um pouco antes da 1h da madrugada. Três homens descem do veículo, o carona e dois do banco de trás, cada um por um lado. Os médicos não percebem nenhum perigo, o trio de criminosos se aproxima da mesa, e começam os disparos.
A emboscada se deu por uma mensagem imprecisa de um informante. Um áudio equivocado por WhatsApp terminou sacrificando três carreiras exemplares, três talentos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP: Diego Ralf Bomfim, 35 anos, irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP); Marcos de Andrade Corsato, 62 anos; e o pivô da confusão, Perseu, 33 anos, que recém havia feito aniversário no dia 3.
Além das balas perdidas, agora temos no país uma nova modalidade de crime, que deve ser chamada de "balas erradas". Você morre por se parecer com alguém, por ser um sósia involuntário, um dublê inesperado, pelo fato de seu rosto não ser estranho.
Atingimos um nível estratosférico de terrorismo, de pânico generalizado, de impunidade a céu aberto, que lembra os atentados a bomba da Cosa Nostra, ou as chacinas colombianas de Pablo Escobar no meio do público. Ninguém mais está seguro, ninguém mais se encontra protegido.
A tragédia poderia ocorrer com qualquer um de nós. Poderia ser eu, poderia ser você, desde que apresentemos um biotipo similar a um desafeto de uma facção.
Mata-se por boato, para depois confirmar a identidade. A vida não vale nada no Brasil.
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