ACIMA DA IDEOLOGIA
Os argentinos escolheram de maneira livre e soberana no domingo os dois candidatos que concorrem no segundo turno da eleição presidencial. No dia 19 de novembro, o país vizinho volta às urnas para decidir entre o peronista Sergio Massa e o libertário Javier Milei. É uma disputa que não galvaniza atenções apenas na Argentina, onde a população busca a saída para mais uma grave crise econômica. A turbulência mostra a sua mais dura face na forma de uma inflação anualizada de quase 140%, derretimento da moeda e aumento da pobreza. Pelo fundo ideológico da contenda, o pleito acaba por despertar também grande interesse no Brasil.
Seja qual for o vencedor, deve prevalecer em ambos os lados da fronteira a visão pragmática de que Argentina e Brasil têm de nutrir relações saudáveis de Estado, sem que preferências pessoais ou antipatias de governantes de ocasião preponderem. A diplomacia profissional dos dois países terá de agir em especial no caso de uma vitória de Milei. O candidato, também tachado como extrema direita, já fez diversas menções depreciativas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É notório e público que o PT e o governo petista têm preferência por Massa. O próprio ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comemorou a vitória do peronista no primeiro turno em manifestação em rede social.
Se Milei vencer, caberá ao governo brasileiro reconhecer a opção legítima do eleitor argentino, prestar os cumprimentos protocolares e, em seguida, mostrar-se aberto à colaboração. Até por isso, seria aconselhável que, nas próximas semanas, membros da gestão petista tenham uma postura sóbria nas manifestações sobre o pleito do país vizinho, de forma que não pareça interferência e signifique maior dificuldade posterior para construir pontes.
Da mesma forma, seria desejável que Milei deixasse para trás agressões verbais em relação ao governo brasileiro e, com o tempo, os arroubos - como a promessa de tirar a Argentina do Mercosul - mostrem-se episódios superados, frutos do calor da campanha.
Caso o comportamento incendiário se materialize em uma gestão belicosa, os bombeiros diplomáticos terão trabalho redobrado. São considerações, claro, na hipótese de o deputado que se diz anarcocapitalista assumir a Casa Rosada. Na possiblidade de vitória de Massa, o atual ministro da Economia que no cargo não conseguiu chegar perto de debelar a crise, as relações fluirão com naturalidade.
Brasil e Argentina são nações com interesses comuns e devem preservar a busca pela cooperação e pela integração regional, dentro ou fora do âmbito formal do Mercosul. A proximidade geográfica, os laços culturais e o histórico de relações econômicas são vínculos a serem fortalecidos. O país perde com uma Argentina enfraquecida e desesperançada, como está hoje.
A recíproca é verdadeira. Independentemente do desfecho da eleição no próximo mês, os brasileiros devem desejar que o próximo governo argentino, após o fracasso de sucessivas administrações, consiga domar a inflação e recobrar as forças de sua economia. Seria uma reviravolta amplamente positiva para o Brasil e, em particular, para o Rio Grande do Sul, devido às afinidades ainda mais nítidas. A nação lindeira, afinal, é a terceira maior parceira comercial do país e a segunda do Estado.
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