Roger Waters vem aí mais uma vez. Artista com lugar garantido na lista dos maiores compositores de rock de todos os tempos, ele não tem medo de expor suas convicções. Waters é o principal letrista do Pink Floyd, que teve decisiva influência estética e política na minha geração e continua relevante nos dias de hoje. Enfim, sou fã, mesmo que a revolução do punk tenha mostrado que o rock poderia voltar a ser mais simples, energético e dionisíaco.
A letra da canção Another Brick in the Wall, de Waters, começa assim: "We don?t need no education/ We don?t need no thought control/ No dark sarcasm in the classroom/ Teacher, leave them kids alone / All in all, it?s just another brick in the wall/ All in all, you?re just another brick in the wall." Numa tradução literal: "Nós não precisamos de nenhuma educação/ Nós não precisamos de controle mental / Chega de humor negro na sala de aula / Professores, deixem as crianças em paz / No final das contas, tudo é apenas um tijolo no muro/ No final das contas, você é apenas mais um tijolo no muro."
Com mais espaço nesta coluna, seria interessante analisar a canção quanto ao sujeito que canta, pois, mais tarde a letra muda para "Teacher, leave us kids alone", ou "Deixem nós, crianças, em paz". No filme The Wall, o coro é formado por crianças. Há muita ambiguidade aqui. Crianças reclamando de maus professores podem estar certas. Mas nem sempre.
Também é possível ouvir o próprio Waters dizendo que as crianças não precisam de educação. E este é o ponto. Quem afirma, no Brasil dos últimos tempos, que as crianças não precisam ir à escola? Quem afirma que os professores fazem "controle mental" sobre os estudantes? Quem propõe um sistema de educação caseiro, a cargo dos pais? Quem ataca sistematicamente as universidades? Waters faz parte desse time? Evidente que não. Creio que duas questões devem ser consideradas.
A primeira é que Waters está falando da educação infantil na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, e não da educação contemporânea brasileira como um todo. São, com certeza, conjuntos de professores bem diferentes. A segunda é que, no contexto mais amplo do álbum The Wall, a educação entra como um dos componentes do processo de esmagamento psíquico dos seres humanos, em sua maioria reduzidos a objetos impessoais, a tijolos num muro.
Assim, a opressão dos professores soma-se à repressão dos pais, aos limites da economia capitalista (que só oferece caminhos para uma minoria) e às mentiras dos políticos tradicionais. Mesmo assim, não engulo o verso "We don?t need no education". No Brasil, hoje, cantar que as crianças não precisam de educação é estar no coro errado. Caro Waters, essa canção eu não canto contigo.
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