sexta-feira, 20 de outubro de 2023


20 DE OUTUBRO DE 2023 
CARPINEJAR

O cutucador 

Conversa deveria ser como natação: cada um na sua raia, nada de invadir a piscina alheia. Eu me agonio com o cutucador, aquele que fala segurando o interlocutor, prendendo-o pelos braços, ou batendo nos seus ombros. Ele se diz afetivo, mas está mais para afetação.

Todos têm o direito de gesticular à vontade, desde que não confundam o seu próprio corpo com o corpo do outro. Ninguém precisa abusar.O cutucador é alguém que pisa com as mãos. Não deixa você ir embora, não permite o adeus, suspende a liberdade constitucional de ir e vir.

É um diálogo claustrofóbico, em que ele se transforma numa parede humana, tirando o espaço da discordância. Não há saída. Qualquer movimento que você ensaie para criar distância dele vai aproximá-lo ainda mais. De sua ação de fuga, de sua tentativa desesperada de escapar, virá uma reação redobrada de sufocamento.

Você é empurrado tanto que parece que caminha junto. É como entrar para mergulhar no mar de Tramandaí e, pela força do repuxo, sair das águas por Imbé. Trata-se de um monólogo com obstáculos a que você é obrigado a assistir e se defender. De safanão a safanão, o cutucador busca seu apoio incondicional. Os toques vão crescendo com o entusiasmo dele. A vontade é entristecê-lo, fazê-lo chorar de repente, para garantir um pouco de paz.

Você já imagina os antecedentes, presume que essa pessoa foi um terror na creche: vivia mordendo seus coleguinhas. Você já imagina o histórico de reclamações, presume que essa pessoa foi o inferno na família: vivia beliscando as bochechas dos irmãos.

Tapinhas incomodam demais. Quem conversa sempre tocando costuma se revelar um péssimo piadista. A importunação é proporcional à necessidade de ser engraçado. A carência e a insegurança vêm no pacote de querer agradar a qualquer custo. O desejo desmedido pela aceitação desencadeia uma linguagem corporal frenética, inadequada, apegada. O contato é um vaivém alternado entre soquinhos e carinhos, entre os atos de bater e assoprar.

A cada passagem da piada sem graça, você é sacudido. Experimenta momentos tensos de liquidificador. Aparentemente, o indivíduo fica conferindo se há uma gargalhada por sair de dentro de você. Quem não controla as mãos tampouco domina a língua. Existirá certamente uma incontinência verbal.

Não sei bem como me precaver desse assalto emocional. Até passou pela minha cabeça adquirir um taser, um aparelho de choque para me proteger da chatice, da incômoda invasão. Mas nunca teria coragem. Que se afaste de mim qualquer pensamento vingativo. Que o mal da represália jamais me cutuque.

CARPINEJAR

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