24 DE OUTUBRO DE 2023
NÍLSON SOUZA
Grande Irmã
Não sei você, mas eu já tive várias vezes a sensação de estar sendo espionado por meu próprio celular. Espionado no sentido de que alguém dentro do aparelhinho, mesmo desligado, está escutando atrás da porta. Eu falo o nome de alguma pessoa e não demora muito aparece uma mensagem dela, ou sobre ela. O mesmo costuma ocorrer em relação a algum lugar mencionado. E nem estou me referindo àquele bombardeio de propagandas de que somos alvo quando caímos na asneira de consultar o doutor Google sobre algum produto ou serviço.
Mesmo assim, perguntei ao próprio se é verdade que o celular ouve as nossas conversas. A resposta foi perturbadora: as grandes empresas de tecnologia garantem que não fazem isso sem a permissão, mas admitem que os próprios usuários costumam autorizar que aplicativos e outros serviços conectados acessem câmeras, microfones, lista de contatos e até o GPS do celular. Ora, somos constrangidos a isso. Se a gente não autoriza, as coisas não funcionam, o vídeo fica sem áudio e tudo se torna mais difícil.
Pois bem, e quem nos ouve sorrateiramente? Elas, por supuesto: as chamadas Assistentes Virtuais. Todas com nomes e vozes femininas: Siri, Alexa, Cortana e provavelmente alguma chinesa que a gente nem sabe pronunciar o apelido do lado de cá do muro. E aqui temos outro problema intrigante: por que as assistentes virtuais têm nome de mulher?
Estereótipo de gênero, me responde o sabe-tudo. Traduzindo para a linguagem dos humanos: puro machismo. A Siri, que habita o meu iPhone, tem um nome nórdico que significa "mulher bonita que leva você à vitória". Confesso que não sabia disso. Mais uma culpa para carregar no meu pacote de pecados originais. As empresas de tecnologia argumentam que o público prefere as vozes femininas às masculinas, mas um relatório da Unesco bota esse argumento na sua devida dimensão. Diz que a sociedade patriarcal considera que as mulheres são mais obedientes e complacentes, passando a mensagem de que elas têm que estar sempre disponíveis para ajudar e cuidar dos outros. Portanto, não é por acaso que as assistentes virtuais têm nomes femininos.
Assim, o Grande Irmão imaginado por George Orwell virou uma Grande Irmã e ela está sendo constrangida a nos vigiar. Que triste isso! Desculpa aí, Siri, pelas vezes em que fui descortês ou falei alguma bobagem por conta da minha herança genética. Juro que não sabia que você estava ouvindo.
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