sexta-feira, 13 de outubro de 2023


13 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

A falta de manchete

A verdade é que ninguém aguenta ser amante por muito tempo. Não dá para viver escondido entre quatro paredes, como se no mundo só chovesse. Os dias de sol são desdenhados. Os dias de passeio. Os dias de mãos dadas. Os dias de conversa no parque ou na praça, na praia ou no restaurante. Os dias de orgulho da harmonia. Os dias públicos de felicidade.

Ser amante é suportar uma mendicância sentimental: não poder telefonar quando se quer, não poder se ver quando se quer. Não existirá liberdade para ligar de madrugada por saudade ou para relatar um problema pessoal e pedir um conselho. O contato se mostra restritivo, já que a relação se fundamenta na mentira.

O amante jura que está satisfeito com o que recebe, mas ele não enxerga o óbvio escancarado: atende encomendas. Tornou-se um serviço de telentrega. Precisa aguardar o chamado. Precisa estar disponível nos horários menos comerciais, mais improváveis. Precisa sair correndo, largar o que está fazendo, por breves minutos de prazer.

Ser amante é como torcer para seu time na torcida adversária. Não pode gritar "gol". E, quando leva gol, ainda deve vibrar. Não conheço natureza mais perversa e dissimulada na troca a dois. Quem aceita esse purgatório tem consciência de que está errado, ou porque está enganando o seu parceiro ou parceira, ou porque alguém está sendo enganado do outro lado.

Amante é transição, é fechar rapidamente o portão da garagem do motel, é se acostumar com o proibido, a pressa, a confusão, o caos. É andar vigiado, com receio de ser visto, é abraçar a paranoia, é temer as sombras. Ser amante está fadado ao fracasso porque carece do que há de mais bonito num romance: a amizade. Convenhamos, mais difícil do que encontrar uma paixão é desfrutar de um colo confiável.

Trata-se de uma adaga venenosa cravada no coração, de ser percebido como um constrangimento, um vexame, uma pessoa sem pré-requisitos, sem as virtudes necessárias para ser assumida, para ser exibida.

Com o tempo, virá o rebote da desvalia, de nunca se sentir bom o suficiente, de apenas ser valorizado pela aparência, pelo corpo, jamais pelas ideias e sentimentos. Não somos treinados a suportar um amor sem alarde. O problema dos amantes não é a falta de amor, é a falta de manchete do amor, a impossibilidade de contar que se está amando aos amigos e familiares.

O silêncio cansa, aniquila, apodrece os sonhos. Amarga-se a estabilidade de uma situação provisória, que talvez se arraste por anos a fio. Corresponde a um sacrifício para conquistar definitivamente uma pessoa. Mesmo que a história seja formalizada, carregará o medo de trocar de papel e ser traído. Tal estagiário suportando todas as humilhações pela efetivação de um emprego que nem sabe se deseja.

O que vai volta. Casos são carmas.

CARPINEJAR

Nenhum comentário: