Não é só um banheiro
Se eu entro num banheiro com quadrinhos na parede, com objetos fofos nas estantes, com tapetes bonitos forrando o chão, sei que a casa é de uma moradora. Só a mulher para decorar o banheiro de um jeito caprichoso e detalhista.
Mesmo que seja um cubículo, ela é capaz de pôr um lustre no teto. Ou lâmpadas de LED de moldura no armarinho. Na visão feminina, é o aposento mais importante da casa: uma extensão do quarto, uma área de convivência, um provador de roupa, um altar da maquiagem, um closet dos produtos para pele e cabelos.
Ela potencializa o espaço físico com a sua fantasia, transforma o trailer em morada. Não tem como convencê-la de que são apenas pouquíssimos metros quadrados. Nunca se contenta com o tamanho das superfícies. Entornará a pia com sabonete líquido, álcool gel, florzinhas, velas, aromatizadores.
Não se consegue enxergar a torneira, perdida num território próspero de esbarrões, a exemplo do excesso de penduricalhos em loja de decoração. Se há uma fresta na parede, inventará de colocar ganchos para toalhinhas, roupões e toucas de banho.
Além da farmacologia básica, tem que encontrar um canto seguro para o secador, para o babyliss. Costuma guardá-los dentro das caixas da loja.
Alegra-se com gavetas e estantes. Não sobrevive sem um armário. Nada mais frustrante para ela do que um espelho sem nada por trás. Um espelho sem fundo. Um espelho de elevador. É como não ter alma. As prateleiras estarão abarrotadas de toneladas de cremes, perfumes, hidratantes e pomadas. Os frascos seguirão estranha hierarquia de recorrência e predileção. Predomina uma ciência na aparente aleatoriedade.
Já para o homem, é o aposento de menor destaque da residência. É visto como mais uma porta entre os corredores. Sequer pensa nas suas condições de uso para os outros, não raciocina que ele pode ser frequentado, reparado e analisado por uma visita.
Não realiza checklist do que falta de provisão. De acordo com a sua mentalidade, o rancho para municiá-lo se resume a pasta de dente, sabonete, xampu, gilete, cotonete e papel higiênico. Se pudesse, deixaria o lugar abandonado tal sanitário de posto de gasolina.
Não faz nenhuma diferença para ele na hora de escolher um imóvel. É funcional, para necessidades biológicas. Não envolve o seu espírito. Não diz respeito ao seu bem-estar emocional. Não compromete a sua felicidade.
Tenho esse falhado software em mim: banheiro é banheiro, desde que conte com uma ducha forte e quente funcionando. Mal permaneço dentro dele, discreta garagem para ir e vir.
Não me preocupo com mais nada. Não ficarei nele por mais do que 10 minutos. Meus produtos de higiene cabem num pequeno estojo. O que me leva a crer que banheiro para as mulheres é camarim, com acesso direto ao palco dos seus sonhos.
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