Antissemitismo e uma canção do passado
Em 1975, junto a outros 20 gaúchos, passei dois meses trabalhando como voluntária em um kibutz ao sul de Israel - os voluntários, gente de todos os credos e partes do mundo, recebiam hospedagem, comida e dinheiro em troca de mão de obra. Exatamente às seis da tarde, todos abriam as portas de suas casinhas e deixavam os rádios ligados com volume no talo: era a hora de, reunidos num canteiro, escutar Imagine, a canção de John Lennon, transmitida pela Voice of Peace, uma estação pacifista montada num barco que vagava clandestino no Mediterrâneo. Os mais de uma centena de voluntários éramos bichos-grilos, sonhávamos com o bem da humanidade e que a paz era possível.
O kibutz em que eu trabalhei se chama Be?eri e foi um dos primeiros alvos dos terroristas no ataque do último dia 7 de outubro. Se o tempo tivesse parado desde nossa adolescência, poderíamos ter sido alvo dos terroristas. Não fomos, mas nossos sonhos de juventude foram aniquilados e começou um tempo de desesperança.
A dor e a tristeza profunda não se devem exclusivamente aos assassinatos, sequestros, estupros e escárnio. Sem contar a estupidez desumana, os atentados violaram um sistema que garantia não só a segurança dos israelenses, mas a dos judeus de todo o mundo - a partir de sua criação, o nascente Estado passou a sustentar a existência do próprio povo.
Não bastasse a sensação de insegurança em nível planetário, outro fantasma veio nos rondar. Logo surgiram, como esperado, as incríveis manifestações que justificavam os ataques terroristas, como se se tratassem de legítima "resistência contra o opressor", um conjunto de balelas que formam a expressão mais pura da fobia-asco aos judeus que está entranhada na sociedade, um "antissemitismo estrutural?, contra o qual mesmo as almas boas e justiceiras de costume não se animam a lutar.
Enquanto Israel enterra seus mortos - quando consegue encontrar os corpos - e avança sobre Gaza com o objetivo de reaver os reféns e de acabar com o Hamas, os defensores de terroristas esperneiam, culpando a vítima pela agressão e enxovalhando os judeus, mal disfarçando um ressentimento que é patológico, e também cínico e oportunista.
É claro que nessa reação do poderoso exército israelense morrerão civis, já morreram muitos, isso queria o Hamas, mas atacar é a única possibilidade, já que negociar com terroristas é conversar com as paredes. A paz passou a morar numa canção do passado e temos que nos acostumar à desilusão ao ver pessoas que lutam por questões humanitárias caladas diante de imperativos morais. Isso quando não nos subtraem o direito puro e simples de existir.
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