segunda-feira, 30 de outubro de 2023


30 DE OUTUBRO DE 2023
CÍNTIA MOSCOVICH

Só tinha de ser com você

No meio de um mundo que parece ter enlouquecido de vez, uma pérola de pura delicadeza e alegria - e que serve como um lenitivo para tanta tristeza - pode ser assistida nos cinemas de todo o país.

Elis & Tom: Só Tinha de Ser com Você é o documentário de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay que mostra momentos essenciais da gravação do lendário álbum Elis & Tom, de 1974, que fez sucesso internacional e que marcou a carreira não só de Elis Regina e Tom Jobim mas da história da MPB. (A abertura do longa traz o registro das orientações que o maestro dá a Elis para interpretar Águas de Março, dueto que se tornaria um emblema do nosso melhor.)

Trabalhando como empresário de Elis Regina à época, Roberto de Oliveira conta que teve a ideia de promover o encontro entre ambos e logo a produção de um disco, que seria presente da gravadora Polygram a Elis por seus 10 anos de casa. 

Havia empecilhos, a começar pela desinteligência entre os dois artistas, que tinham concepções musicais muito distintas, e que poderia levar a empreitada ao fracasso - e quase levou. Trabalho aceito e pontas mais ou menos arredondadas, decidiu-se que o álbum seria gravado em Los Angeles, onde Tom morava. Ao chegar nos Estados Unidos, Oliveira percebeu que estava diante de um evento histórico e decidiu filmar as gravações, iniciativa que rendeu um making of precioso, cujo valor documental é difícil de estimar. 

Feitas com uma sensibilidade muito grande, essas gravações se detêm em momentos capitais do disco, nuances do processo que revelam a busca de ambos pela expressão perfeita, a felicidade do encontro desses dois gênios (embora ela não apreciasse lá muito a bossa nova) e, mais do que tudo, a sensação de absoluta transcendência que era/é evocada ao se escutar Elis cantando e Tom tocando. 

Por quase 50 anos, Oliveira guardou mais de cinco horas de registros, dando a conhecer esporadicamente alguns trechos das gravações. Para realizar o filme no formato de documentário, o material passou por um tratamento apurado de imagem, e o som foi retrabalhado com inteligência artificial, que o deixou mais claro e limpo.

A bem de compor a história desse álbum, o filme ouviu instrumentistas que tocaram no disco (alguns que sofreram não pouca resistência por parte de Tom), ex-executivos da gravadora Polygram e profissionais da técnica. Cesar Camargo Mariano, André Midani e Roberto Menescal contam como se desenrolou o trabalho e como os percalços, que não foram poucos, surgiram e foram sendo superados. O resultado é um filme que os espectadores aplaudem durante a projeção, sinal de que a genialidade resiste ao tempo.

CÍNTIA MOSCOVICH

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