11 DE OUTUBRO DE 2023
MÁRIO CORSO
É duro ser judeu
Sinto na pele, embora não seja judeu. Minha ancestralidade é italiana, temperada com alemã. Mas como casado com uma judia, e tendo duas filhas judias - é matrilinear a pertença no povo judeu -, meu coração vibra e sofre como o de um.
Aprendi com a Diana, minha esposa, que pouco adianta não se dizer judeu. Os outros estão sempre lembrando a condição judaica do sujeito. Não há escolha.
Neste fim de semana, o ataque do Hamas a Israel me entristeceu ainda mais por ter uma afilhada vivendo lá. Mas meu incômodo adicional veio com o antissemitismo nas mensagens de conhecidos, chegadas pelas redes sociais. Não na sua forma explícita, e sim o antissemitismo latente e/ou inconsciente.
As primeiras manifestações sobre o ato terrorista vieram com o mal disfarçado gozo relativo às vítimas judaicas "que mereceram", e não condenando o absurdo atentado contra alvos civis.
Diante de um crime abominável, o primeiro assunto não foi: que tristeza para o mundo, mais uma vez morte de inocentes; ou como estás lidando com isso? Frente a um ato terrorista é correto, empático, ou ao menos elegante, começar o assunto culpabilizando as vítimas?
Claro que tudo está conectado, há lógica por trás do ataque. A história do Oriente Médio é complexa, camadas e camadas de conflitos e ressentimentos superpostos. Lá não existe o simplismo de mocinhos e bandidos.
O Estado de Israel já errou, todos os envolvidos já erraram. O atual governo vai no sentido oposto da paz. Israel está cindido ao meio contra os desatinos de seu primeiro- ministro. Porém, alguns dos oponentes de Israel têm como fundamento político que ele desapareça. Como lidar com isso?
Nos dois lados da fronteira entre Espanha e França, viveram os agotes, um povo discriminado. Eram iguais ao resto da população de então: mesma religião católica, língua, sotaque, costume. Fisicamente ninguém os diferenciaria, não fosse a indumentária identificadora. Viviam fora das aldeias. Eram proibidos de se casar com os outros. Era um apartheid medieval.
Não se sabe sua origem e por que eram malditos. Se existem várias hipóteses sobre um povo, é porque ninguém os decifrou. Eram como os intocáveis da Índia, malditos porque nasceram malditos.
Trago-os para lembrar que os humanos, na falta de um inimigo, inventam um. Alguém tem que ser o Outro, que será moralmente inferior, insidioso, perigoso e portanto odiado. É duro ser judeu.
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