sexta-feira, 27 de janeiro de 2017




27 de janeiro de 2017 | N° 18753 
DAVID COIMBRA

O homem mais burro do mundo

Os prédios da Coorigha, nos baixos do IAPI, eram vigiados por guardinhas, que, na época, acho que nem eram de empresa de segurança, eram contratados pelo condomínio mesmo. Teve um que enlouqueceu. Um dia, a vizinhança ouviu uma sequência de tiros disparados atrás do salão de festas, no lugar em que ficavam os latões de lixo. Correu todo mundo para lá. O que foi? O que foi? Flagraram o guardinha guardando o revólver no coldre com a maior cara de pistoleiro de faroeste. Ele jogou para os moradores um olhar de quem cumpriu seu duro dever e, depois de um suspiro, explicou:

– Matando elefante...

Outro guardinha nós chamávamos de Zé Bolha. Ele ficava furioso quando ouvia o apelido. O Zé Bolha era gordinho, baixinho e usava um bigode de meio Rivellino. Era também meio chato – não deixava a gente jogar bola entre os edifícios. Ouvi falar que o Zé Bolha se casou com a antiga síndica e se tornou morador da Coorigha. Não sei se é verdade.

Um terceiro guardinha foi uma das pessoas mais burras que conheci. Devia ter uns 40 ou 50 anos de idade, o que era surpreendente – como uma pessoa tão estúpida havia conseguido sobreviver por tanto tempo? A existência daquele guardinha era uma vitória da civilização e, de certa forma, da sociedade brasileira. A comunidade tinha se organizado com tanta competência, que até seus membros mais incapazes seguiam respirando e bem alimentados.

Óbvio que ninguém dava a menor atenção ao que ele falava. Isso, via-se, frustrava-o imensamente. Como todo burro, o guardinha tinha a sua própria opinião em alta conta. Aliás, não precisa fazer teste de QI para saber se uma pessoa é burra; basta saber se ela se leva a sério. O burro sempre se leva a sério.

Não sei se o guardinha continua vivo, mas, se estiver, deve estar realizado. Por causa das redes sociais. Nas redes sociais, todos expõem suas opiniões e, o melhor, elas são levadas em consideração.

Isso é ótimo não apenas para o burro que dá a sua opinião, mas também para o inteligente presuntivo que o critica. Antes, se alguém fosse escrever uma tese sobre a opinião do guardinha da Coorigha, cairia no ridículo. Seria como um desses graves comentaristas econômicos ir para a TV a fim de denunciar:

– Vejam o absurdo que a minha faxineira pensa a respeito da taxa de juro...

Agora, as opiniões da faxineira economista e do guardinha da Coorigha valem tese. Alguém comenta uma bobagem no Facebook e você, de imediato, vai lá e rebate com firmeza, escreve um texto cheio de argumentos ou grava um vídeo furioso. Isso é bom demais. Faz com que você pareça progressista e corajoso. Você está combatendo os preconceitos, está mudando o mundo, está mostrando como se faz e como deve ser.

Então, vamos lá. Vamos para a internet. Abra as redes. Prepare a sua indignação e a sua verve. Deve haver algum preconceito a ser combatido. É bem provável que aquele guardinha ainda esteja vivo, afinal.

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