quinta-feira, 19 de janeiro de 2017



19 de janeiro de 2017 | N° 18746 
DAVID COIMBRA

Capitalismo salva ou desgraça?

O capitalismo salva. Mas também desgraça. A condição natural do ser humano é a miséria. Os outros animais se saem melhor, em sua condição natural. Precisam de pouco para sobreviver. Não têm de usar instrumentos nem transformar o meio ambiente. Mas o homem, bicho pelado, vagaroso e fraco, se não dispõe do próprio trabalho e do esforço coordenado da espécie, morre.

Com a colaboração dos seus pares e alguma sorte, os seres humanos viveram a maior parte da sua história como nômades, e foram felizes provavelmente e miseráveis certamente. Nada do que você gosta, de banhos quentes a cervejas geladas, existia na vida daqueles homens do passado. Imagine: passamos 200 mil anos sem Netflix.

De 12 mil anos para cá, com o advento polêmico da civilização, o homem assegurou pelo menos casa fixa e comida quente. Foi importante – Freud dizia que tudo, na vida do ser humano, se resume a casa, comida e sexo. Mas a grande maioria das pessoas continuou miserável e oprimida, quando não indignamente escravizada.

Só depois do feudalismo, de cinco ou seis séculos para cá, é que houve mobilidade de classes e melhora da condição de vida dos mais pobres.

Ou seja: o capitalismo salvou.

O capitalismo, por definição, é o sistema em que existe propriedade privada e livre comércio. Ora, na Antiguidade também havia propriedade privada e livre comércio. Em Jericó, considerada a cidade mais antiga do mundo, com 11 mil anos de idade, sempre houve propriedade privada e livre comércio. Isso porque o capitalismo é o sistema natural da civilização. Estabelecida uma sociedade, qualquer sociedade, em qualquer parte, a tendência é de que cada um tenha suas posses, exerça o seu trabalho e peça recompensa por ele.

Então, o capitalismo sempre conviveu com a miséria humana, e até foi seu produtor.

Ou seja: o capitalismo desgraça. E agora? O capitalismo é a salvação ou a perdição? É aí que entra o Estado.

Parece um debate barroco, mas é mais atual do que escrever logo eu no Facebook.

Estava assistindo pela TV às manifestações dos estudantes por passagem de ônibus gratuita em São Paulo. Espantosamente, o discurso deles, representantes da ultraesquerda, é o mesmo dos novos liberais, representantes da ultradireita: ambos pregam a ausência de governo, um tipo de anarquismo. Nossos esquerdistas mais à esquerda são capitalistas radicais.

Mas o melhor sistema não é um sistema; são vários. Depende do lugar e da hora.

Sou a favor do método científico, do acerto pela experimentação: tentativa e erro, tentativa e erro. Para isso serve a História. Olhe para exemplos pretéritos: sempre que o Estado foi poderoso demais, houve opressão política e corrupção; sempre que o Mercado foi livre demais, houve opressão econômica e discriminação.

Há serviços que só o Estado é capaz de prestar: a segurança, a justiça, a educação e a saúde básicas. Se o país é pobre, o Estado tem de se concentrar nessas tarefas, para que sejam bem feitas e garantam o mínimo a quem só o mínimo tem. Quando houver mais prosperidade, o Estado pode estender suas obrigações. No Brasil empobrecido o Estado haveria de ser menor e mais eficiente, na Suécia rica o Estado pode ser mais abrangente, quase socialista.

O Estado tem de ser o regulador dos excessos do capitalismo, tem de corrigir distorções. O Estado tem de fiscalizar os atores, nunca ser ele um ator. A mão do Estado pode fazer o capitalismo salvar. Ou torná-lo uma desgraça.

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