segunda-feira, 2 de janeiro de 2017




02 de janeiro de 2017 | N° 18730 
DAVID COIMBRA

O príncipe estuprador

Não conseguiria escolher “O” melhor livro que já li, nem 10, nem 100, mas filme, se tivesse de indicar um único, seria O poderoso chefão.

Está certo: isso depende do gosto. Cada um tem seu estilo preferencial. Não suporto comédias românticas, por exemplo, sobretudo as que se passam em Nova York, mas aquele Harry e Sally achei divertido. Também não assisto a filmes de terror – dão medo. No entanto, há três clássicos que até revejo: O Exorcista, O Iluminado e O bebê de Rosemary. Bote aí na lista também O sexto sentido e O advogado do diabo.

Musicais? Só Grease, com o Travolta, e o velho Hair. Já filmes de ficção científica me aborrecem, embora fosse viciado em Perdidos no espaço, quando guri. Mesmo assim, assisti, dias atrás, a um filme de ficção científica que me fez sair contente do cinema e me pôs em frente ao teclado agora mesmo, a fim de sugeri-lo para você.

Trata-se de Passageiros. Não vou dar spoiler. Ou talvez só um pouquinho, mas tenho de contar o enredo para você entender por que gostei da história. Não sei se o autor fez de propósito, mas o filme é uma espécie de A Bela Adormecida futurista.

A Bela Adormecida é um conto que se perde na poeira dos séculos. A versão mais famosa foi escrita pelos irmãos Grimm. Dei a coleção de livros dos irmãos Grimm para o meu filho, mas é claro que ele nunca leu. Prefere jogar XBox.

Os irmãos Grimm se basearam numa história 200 anos mais velha, que hoje provocaria escândalo. Nessa trama original, a Bela adormeceu porque uma lasca de madeira envenenada feriu seu dedo. O príncipe a encontrou dormindo, mas não a despertou com um beijo. Ao contrário: aproveitou que ela estava inconsciente e a estuprou.

A Bela violentada continuou dormindo, só que grávida. Nove meses depois, pariu gêmeos. Um deles, esfomeado, tentou mamar no dedo da mãe e, assim, acabou extraindo a farpa envenenada, despertando a Bela. Nesse momento, o príncipe voltou para ver como ela estava e, surpreendentemente, tomou-se de bom caráter e resolveu assumir a família.

No filme americano, ocorre o seguinte: uma nave gigantesca está viajando pelo espaço com 258 tripulantes e 5 mil passageiros hibernando em máquinas parecidas com aquela cama hiperbárica do Michael Jackson. Eles vão colonizar um planeta distante, um paraíso natural com matas, praias e cascatas. Eles só podem viajar naquele estado de animação suspensa, porque leva-se cerca de 120 anos para fazer todo o trajeto.

Em meio à viagem, uma chuva de meteoros atinge a nave, que se autoconserta. Um equipamento, porém, permanece com defeito: a cama em que dorme o protagonista do filme. Ele acorda e se vê sozinho na nave imensa. Ainda faltam 90 anos para chegar ao destino, e não há ninguém para pedir ajuda. Ou seja: ele está destinado a envelhecer na vasta solidão da nave. Depois de um ano tentando de tudo para resolver o problema, em vão, ele passa pelas camas dos outros 4.999 passageiros e vê essa jovem. É Jennifer Lawrence, a heroína do filme Jogos vorazes, agora loira como uma Marilyn.

Ele se apaixona pela Bela Adormecida, tece fantasias com ela, passa dias em volta de sua cama, até que lhe vem a ideia: por que não despertá-la? É possível, se danificar a cama. Mas, se a acordar, a condenará a passar 90 anos com ele na nave, sem mais ninguém.

E agora? O que ele faz? Um belo drama moral. Não vou contar o que ele fez. Vou deixar que você veja o filme. Mas, antes, responda: o que você faria?

Nenhum comentário: