sexta-feira, 13 de janeiro de 2017



13 de janeiro de 2017 | N° 18740 
DAVID COIMBRA

La La Land, Kafka e Florentino Ariza

Detesto filmes musicais ou românticos. La La Land é ambas as coisas. Mas, como tem conquistado todos os prêmios e deverá conquistar muitos outros ainda, fui assistir, como uma espécie de obrigação cinéfila. Bem.

Saí do cinema com o sentimento renovado: detesto, realmente, filmes musicais ou românticos.

Não que tenha detestado La La Land, não se trata disso. O filme tem méritos, sobretudo no final, que não conto. É que, para mim, o ideal seria que não tivesse atores cantando, não tivesse dança e não tivesse tantas cenas de amor. Se fosse só o final, seria perfeito. E mais curto: uns 10 minutos.

Mas não deixe de ver o filme, não se guie por mim. Eu é que tenho preconceitos contra essas coisas da paixão. Camões dizia que o amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer, mas ele estava errado. Isso tudo não é o amor: é a paixão.

O (este, sim) imperdível livro de García Márquez O Amor nos Tempos do Cólera deveria ser A Paixão nos Tempos do Cólera. Se bem que a paixão de Florentino Ariza era atípica: uma paixão velha de 50 anos.

A paixão, em geral, tem autonomia para, no máximo, 18 meses. Depois disso, o doente vai se curando sozinho, como se fosse uma conjuntivite. Com sorte, aquele Mal se transforma no Bem, transforma-se no amor seguro e tranquilo, um sentimento muito mais sólido. E verdadeiro. O amor é que é real, não a paixão.

É fácil de saber se você realmente ama a outra pessoa. Você vê os defeitos dela e fica incomodado com eles? Parabéns: é o amor que mexe com sua cabeça e o deixa assim.

Falo com propriedade porque já padeci do feio mal da paixão. Sei como é ruim. Também já vi dezenas de amigos sendo contaminados e testemunhei o quanto sofreram.

Kafka escreveu, em A Metamorfose: “Ao despertar de um sonho inquieto, certa manhã, Gregor descobriu que se havia transformado num gigantesco inseto”.

Há várias interpretações sobre o que aconteceu com o protagonista, Gregor Samsa. Todas equivocadas. Kafka escreveu, tão somente, sobre um homem que se apaixonou.

Otto Maria Carpeaux , gênio da raça (austríaca), encontrou-se com Kafka em Berlim, no começo do século 20. Descreveu-o como um rapaz “franzino, magro, pálido, taciturno”. Carpeaux achou que ele tinha essa aparência por causa da tuberculose, que o mataria poucos anos depois. Pode ser. Mas esses, igualmente, são sintomas da paixão.

Imagine que você é um rapagão tipo Ryan Gosling e conhece uma inhugazinha tipo Emma Stone. Vocês começam a sair e ela é tão querida, tão calma, tão bem-humorada e tolerante, e além disso tem boas pernas. Vocês se envolvem mais a cada dia, trocam mensagens pelo celular e curtidas no Facebook. Lindo. Até que, certa manhã, ao despertar de um sono inquieto, você descobre que se transformou em um gigantesco verme: você está apaixonado.

Pronto. Aconteceu o que jamais devia acontecer. Vermes rastejam, lembre-se. Em pouco tempo você estará rastejando. E sentindo dor, porque a paixão é ferida que dói e se sente. Não duvido que, em dado momento, escreva algum e-mail de amor ridículo – Fernando Pessoa já notou que todos os e-mails de amor são ridículos. Quer dizer: amor, não; paixão. A paixão não tem graça. Não gosto de filmes de paixão.

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