17 de janeiro de 2017 | N° 18744
LUÍS AUGUSTO FISCHER
TRIBUNAL IMEDIATO
O novo romance de Michel Laub é muito bom – de enredo, de leitura, de ritmo. O Tribunal da Quinta-feira (Cia. das Letras) tem em sua vitrine um assunto e uma prática atuais.
O assunto: o livro faz, espaçada e discretamente, uma história da aids, desde o ponto em que uma reportagem do Fantástico a colocou nas casas brasileiras, num tempo em que era dada como praga que vinha punir homossexuais. Mas o bom do tratamento narrativo é que isso está num segundo plano, como sombra na vida de dois dos protagonistas (são quatro), dois homens amigos, o narrador José Victor, publicitário, e Walter, seu colega, HIV positivo.
Já a prática é o mundo das ditas redes sociais, o tribunal aludido no título. Ocorre que José Victor (spoiler do bem, atenção) se separa de Teca, que não pode ser mais correta politicamente; e ela, ferida, acessa as contas do ex e ali descobre a correspondência dele com o amigo Walter (comentários de tudo que se possa imaginar, como conversa privada entre amigos) e, pior, com uma moça, estagiária da agência de publicidade, com quem o narrador tem uma relação forte. Descobre, pega trechos, edita e bota na web. E aí, babau.
Grande personagem, essa estagiária, Dani, impossível quarto vértice no triângulo amoroso meio torto (como qualquer triângulo amoroso). Ela vem de baixo, ao contrário dos três, filhos da elite, e sua trajetória é como a de um cometa: ajuda a medir as distâncias relativas entre os temas e as pessoas.
O livro é narrado com um discreto sarcasmo e certa frieza (meio incômoda, por simular indiferença do personagem-narrador), numa levada que ajuda a ver o mundo abordado, as fantasias do mundo da publicidade, sua oligopolização, os preconceitos e clichês sob os quais nos movemos nas classes confortáveis, assim como as tensões contemporâneas entre vida privada e web. E é um vira-página inacreditável, pode crer.
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