18 de janeiro de 2017 | N° 18745
PEDRO GONZAGA
OS SACRIPANTAS
Estávamos cercados. De algum modo aquilo deveria ser um julgamento. De nossas classes, encarávamos a todos em silêncio. Eis o caso: o professor tinha acordado com a turma que, se todos fôssemos embora, não haveria os dois períodos após o recreio. Mas por inércia, pilantragem, ou porque éramos do contra, Jéferson e eu ficamos em nossos lugares. Quem poderia imaginar que alguém ficaria? Amparava nosso malfeito o sacripantismo, seita que inventáramos e que estava baseada nas mais variadas formas de sabotagem social, a serem praticadas em surdina, no que evidentemente falháramos.
E por isso ali estávamos, diante das acusações que todos logo perceberam inúteis, restando-lhes punir-nos com um isolamento que já era nosso estado cotidiano. Na Ordem Sacripântica, éramos Sir Petrus e Lord Jef, tínhamos até um estatuto, mas nunca conseguimos qualquer filiação, o que talvez tenha sido um golpe acertado do destino. Sabe lá onde isso poderia chegar, que sabemos nós de até aonde o mal pode ir. Com dois ou três acasos, quem sabe não tivéssemos fundado um partido político.
Da distância do tempo, contudo, reprovo e não reprovo nosso gesto de traição. Explico-me. O que indignava nossos colegas, mais do que nossa surpreendente permanência, era a matéria que haviam perdido. O professor, revoltado por ter de dar os dois períodos, passou-nos matéria nova, declarando que não ia repeti-la, e que o conteúdo estaria na próxima prova. Por fim, capitulou, já na aula subsequente, não sem antes dar um longo discurso sobre companheirismo e espírito coletivo, os olhos postos em nós.
O que me causou desconforto naquele momento não foi sermos o centro negativo das atenções, mas alguma coisa essencialmente farsesca e fraudulenta em sua fala. Que nossos colegas nos acusassem, era justo e merecido. Mas ali estava a voz de alguém travestindo seu interesse em interesse social. Ao longo dos anos, graças a este episódio, fiquei vacinado para esse tipo de retórica oca, medíocre, sentimentalista, de procurador sem procuração, de vindicador de si mesmo. Queria nos ensinar uma lição e conseguiu: o populismo é sempre um personalismo.
Quanto aos sacripantas, cresceram, viveram e terminaram por trair os próprios ideais.
A história, por sorte, de todos nós.
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