12 de janeiro de 2017 | N° 18739
VERÃO
O chocolatão sumiu no Litoral
FAMOSO PELAS ÁGUAS MARRONS que chegam a turvar a espuma das ondas, o mar da orla gaúcha tem se apresentado límpido e até cristalino nesta temporada
Por anos a fio, o mar gaúcho carregou a alcunha de “chocolatão” em razão de suas águas marrons, mas tão marrons, que chegavam a escurecer até a crista das ondas. Por isso, a sucessão de dias com ondas limpas – por vezes cristalinas, como ontem – vem impressionando os banhistas no Litoral Norte. E desperta entre eles um questionamento: que fim levou o célebre chocolatão?
Desde o início deste veraneio, o Atlântico vem brindando os frequentadores de praias como Tramandaí, Capão e Torres com água limpa. Mesmo nos piores dias, de mar mais mexido, sua coloração pode até ficar opaca, mas em nada lembra os tons barrentos tão familiares a qualquer banhista da costa rio-grandense.
Ontem, o tom esmeralda que tomou conta da orla encantou os veranistas e repetiu o espetáculo vislumbrado no primeiro dia do ano. Mesmo quem não estava preparado para tomar banho, em razão do tempo que amanheceu nublado, não resistiu aos encantos quase caribenhos da água.
– Só vim para a beira-mar para dar uma corrida. Mas, quando vi o mar desse jeito, pedi para uma senhora cuidar das minhas coisas e tive de dar um mergulho. Realmente, neste ano a água está muito boa, limpa. E não está gelada – vibrou a estudante de Direito Louise Zwartjes, 21 anos, recém-saída das ondas em Capão da Canoa.
Se nos dias de chocolatão as crianças são a maioria dos banhistas, ontem até quem tem quase um século de vida se aventurou no mar. O aposentado João Atílio Rosa Gobo, 90 anos, de Ijuí, se tocou para dentro d’água com a ajuda do filho Pedro Luiz Gobo, 61.
– Tenho que cuidar porque minhas pernas já andam meio bambas, mas não tinha como não tomar um banho – afirmou seu João Atílio.
CONJUNÇÃO DE FATORES EXPLICA O MAR CLARO
O geógrafo Nelson Gruber, integrante do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (Ceco) da UFRGS, afirma que a coloração do mar gaúcho está sendo favorecida por uma complexa conjunção de fatores climáticos, que incluem desde o fenômeno La Niña até a atuação de um centro de alta pressão subtropical. Esse centro, localizado sobre o Oceano, vem favorecendo a propagação de ondas do Sudeste, mais limpas.
Quando essas ondulações não encontram ventos muito fortes vindos de nordeste (o famoso Nordestão), que reviram muito o mar, a tendência é de ondas mais claras. O vento Nordeste tende a deixar mais areia em suspensão e favorecer a multiplicação de algas – parte importante da receita para “achocolatar” a orla.
Em resumo, não significa que o Litoral Norte ficará para sempre com ares de Santa Catarina. Mas, pelo menos por algum tempo, a tendência é de que os gaúchos possam aproveitar águas que em nada lembram chocolate.
Em Torres, por via das dúvidas, a estudante de Venâncio Aires Marília Schuh, 20 anos, deu um jeito de garantir a lembrança desses dias de águas catarinenses em mar gaúcho:
– Vou tirar fotos e mandar revelar algumas, que é para garantir que não vão se perder.
marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
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