quarta-feira, 25 de janeiro de 2017



25 de janeiro de 2017 | N° 18751 
DAVID COIMBRA

Nunca desi

Sei o que o prefeito de São Paulo queria, neste caso polêmico dos grafites apagados.

Você sabe do que estou falando? Explico.

O prefeito de São Paulo declarou guerra aos pichadores. Mas, em meio ao calor da refrega, mandou apagar, além das malditas pichações, alguns grafites que tinham sido feitos a pedido da gestão anterior, e que custaram um milhão inteiro.

Diante dos inevitáveis protestos que se seguiram, um assessor da prefeitura jurou que só os grafites danificados pelo tempo haviam sido cobertos.

Que nada. Na verdade, o prefeito fez o que eu gostaria de fazer em Porto Alegre: mandou tirar o que ele não gosta.

Há várias obras de arte espalhadas pelas ruas de Porto Alegre que, quando passo por elas, penso: se fosse prefeito, atirava esse troço no Guaíba. Inclusive é o que farei, se me eleger. Você, que vota, esteja advertido.

Também removeria as pichações e mandaria os pichadores para o presídio do Rio Grande do Norte. Mas nem todas as pichações seriam apagadas. Algumas, admito, são até artísticas. Não pela forma; pelo conteúdo.

Durante a eleição de 1989, li em um muro de Florianópolis:

“As três melhores coisas do mundo: cerveja gelada, mulher pelada e Brizola no Palácio do Alvorada.

As três piores coisas do mundo: cerveja quente, a sogra da gente e Collor presidente”.

Uma pichação política.

Já vi gastronômicas:

“Odeio azeitona”.

Imaginei que o pichador fosse um marido irritado com a mulher que vivia colocando azeitona na comida e me solidarizei com ele.

Outra, na linha da autoajuda seguida de autofracasso:

“Nunca desi”. E uma familiar: “Amo minha vó”.

Há milhares de anos, antes de Jesus nascer em um estábulo do Oriente Próximo, as pirâmides do Egito eram pichadas. Na Roma dos césares, as pichações serviam como propaganda política e para espalhar difamações e notícias falsas, função do Facebook de hoje. As ruínas de Pompeia foram encontradas cheias de pichações ainda intactas, preservadas pela lava do Vesúvio. Havia de tudo, desde fofocas de cunho sexual, como:

“Phileros é um eunuco”. A denúncias: “Atimetus me engravidou”.

E ainda reflexões profundas, que poderiam ter sido feitas hoje em dia:

“Uma loira me ensinou a odiar as morenas. Eu as odiarei, se puder, mas não me importaria de amá-las”. Pichação é cultura!

Nos anos 1980, o Criciúma tinha um técnico, o Rui Guimarães, que, em dado momento, passou a ser odiado pela torcida, como sói acontecer com os técnicos. Os torcedores o vaiavam nos jogos, mas a direção o mantinha, teimosamente.

Um dia, o muro do estádio amanheceu com a seguinte inscrição: “O Rui Guimarães usa peruca”.

Não o chamava de nada, não o acusava de incompetente, não se referia à mãe dele, apenas informava que usava peruca. O que era verdade, a franja redonda o denunciava.

O Rui Guimarães ficou furioso debaixo da peruca, ordenou que os funcionários do clube limpassem o muro na mesma manhã. No dia seguinte, lá estava, de novo: “O Rui Guimarães usa peruca”.

Só. Nenhum insulto. Nenhum palavrão. Mas o Rui Guimarães se descontrolou. Dizem que ele em pessoa foi lá e repintou o muro.

Vinte e quatro horas depois, adivinhe: “O Rui Guimarães usa peruca”.

Foi o fim da carreira do Rui Guimarães no Criciúma. Não suportou a pressão.

Há, sim, pichações inteligentes, ainda que malvadas. Eu as preservaria, se fosse o prefeito. Mas aquela escultura das cuias ia para o fundo do rio.

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