11 de janeiro de 2017 | N° 18738
DAVID COIMBRA
Madonna e a Globeleza
Madonna sempre foi cantora de segunda categoria. Sempre foi mais para se ver do que para se ouvir. A grande arte, se é que existe a grande arte, é aquela que fica, a que ultrapassa o sucesso do momento e vara gerações. Qualquer criança pequena se encanta com o som dos Beatles, mesmo sem nunca ter ouvido falar neles. Qualquer jovem que preste atenção numa letra do Chico Buarque vai sentir o poder da poesia, ainda que o considere ultrapassado.
Madonna era ótima, sim, mas de marketing. Minha avó a via seminua na TV e torcia o nariz. Era o que Madonna pretendia: escandalizar as velhinhas. Ninguém que soubesse o que havia ocorrido nos anos 1960 e 1970 a acharia revolucionária. Tratava-se de produto tipicamente americano, visual, tecnológico, de consumo de massas. O McDonald’s da música popular. Como o McDonald’s, de vez em quando é bom, mas tem coisa bem melhor por aí.
Madonna vendia a imagem da contestadora, da libertária. Aquilo era calculado. Imagino Madonna reunida com seus assessores em torno de uma mesa, perguntando-se:
– O que posso fazer para chocar o público e chamar atenção?
É óbvio que a resposta de qualquer estagiário em publicidade e propaganda seria: explore sexo e religião. É fórmula antiga, mas que, em geral, funciona. Gozar do cristianismo, por exemplo, é uma delícia. Basta tomar um trecho aleatório da Bíblia, tirar do contexto e jogar o texto para o lado engraçado ou para o polêmico. Sempre haverá uma avozinha para se queixar, com a vantagem de que não há consequência. Mas não vá brincar com os muçulmanos, pelo amor de Alá!
O pessoal do Porta dos Fundos faz isso muito bem, às vezes até com graça, e, se der a sorte de aparecer um pastor para reclamar, o vídeo está consagrado.
Quanto ao sexo, mais fácil ainda. Qualquer insinuação parece transgressora. Se não houver sutileza para insinuar, que seja explícito. Também dá certo. Não faz muito, Clarice Falcão, que, aliás, também era do Porta dos Fundos, apelou, em flagrante desespero, para o marketing sexual. Foi direta: simplesmente filmou vários nus frontais em sequência e botou uma música de fundo. Poderia fazer mais de uma semana de sucesso, se a música fosse pelo menos de média para boa, como as de Madonna. Não é. É bobinha. Naiara Azevedo, com os 50 Reais, tem mais vigor e graça.
Janis Joplin, que cantava muito, mas muito mais do que Madonna, era genuinamente transgressora. Não fazia por autopromoção, fazia porque assim sentia e pensava.
Amy Winehouse, que, da mesma forma, cantava o que Madonna queria cantar, estava verdadeiramente se lixando para o status quo.
Janis Joplin era Marlon Brando; Amy era James Jean; Madonna é Velozes e Furiosos. Madonna nunca rompeu nenhum padrão e só escandalizava as senhorinhas.
Por que, então, Madonna é tão festejada e considerada inovadora?
Porque era bonitinha.
Madonna se esforçou para se tornar objeto de desejo, e conseguiu.
Pois vi, agora, comentários sobre a Globeleza do Carnaval 2017. Antes era uma mulata lindíssima que sambava de cima de sandálias altíssimas completamente nua, o corpo rijo coberto apenas por tinta e purpurina. Neste ano, a Globo a apresentou vestida e bem comportada. A emissora foi elogiada, justamente, porque a nova Globeleza não se apresenta como objeto de desejo.
Os comentários que li poderiam ter sido feitos pela minha avó. Ela dizia contra Madonna o que é dito a favor da nova Globeleza. O que me emocionou. Minha avó, enfim, venceu. A maioria pensa como ela.
O mundo é, sem dúvida, redondo. Gira sobre si mesmo, gira em torno do sol, gira, gira, mas não sai do mesmo lugar.
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