quarta-feira, 4 de janeiro de 2017



04 de janeiro de 2017 | N° 18732 
PEDRO GONZAGA

FANTASIAS

Comecemos assim: eu confesso uma fantasia que mantenho sobre mim, você reflete sobre uma das que guarda aí dentro. Mas pense numa que já não está funcionando. O momento é propício. E não creia nos cínicos de vésperas, os que reclamam dos votos de ano-novo, aplicando a lenga-lenga de que é só mais uma data – eis a fantasia deles –, como se não soubéssemos nós também que todas as coisas acontecem uma única e irrepetível vez. 

Então deixem-nos acreditar nas retomadas, nas correções, nas reformas possíveis. Ou que talvez sigamos os mesmos apesar de nossos esforços, de nossa consciência de que deveríamos ou poderíamos mudar.

Mas eu ia confessar uma fantasia, e a isso voltamos, uma fantasia que me começa a não servir, repetida sempre nesses inícios de ano, cada vez mais esgarçada, mais difícil de ser mantida: a de ser um escritor implacável, avesso ao sentimentalismo de bebês fofuxos vestidos de branco, aos espumantes das animações compartilhadas, à pieguice das letras coloridas dos aplicativos desejando um fantástico Révellion. Há muito tento me apegar à ideia de ser um escritor espartano, que, por contiguidade, me emprestaria seus predicados. Mas o que fazer quando nas redes sociais aparecem tantas fotos de gente feliz reunida, como também eu nos cliques? 

O que fazer quando toca Amanhã, do Guilherme Arantes, ou o “Adeus ano velho”? Pode o escritor fleumático, o poeta refinado, cantar junto? E quando alguém chora ao comer uma saborosa lentilha, talvez por ter vencido um ano como 2016, deve o escritor rejeitar a cena? E se tiver sido eu o autor das lágrimas? Por isso, para a passagem do ano que vem, tentarei me ausentar de todas essas celebrações. Quem sabe numa choupana longe das gentes a fantasia ainda funcione. Ou num mosteiro para escritores austeros.

Pois é. Nesses primeiros dias de janeiro, me parece bem mais simples trocar de fantasia e aceitar que eu não sou o escritor, e que nem o escritor talvez seja o escritor que eu imagino.

Por um 2017 de fantasias novas, para mim e para você.

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