21 de janeiro de 2017 | N° 18748
PIANGERS
E sua mãe também
Acredito que não exista aquilo que chamam de mania de velho, mais do que existe mania de adulto ou mania de criança. Temos todos uma série de manias. Eu odeio que peguem meus carregadores de celular, que coloquem louça suja em cima da pia (o lugar de louça suja é dentro da pia!, minhas filhas sempre ouvem) e não suporto celulares que não estejam no silencioso. Neste período de férias na casa de praia da minha mãe, verifico suas manias achando-as meio irritantes, mas, ao mesmo tempo, graciosas. É como se as manias da minha mãe fossem um sussurro do tempo, me mostrando quanta história temos juntos. Tenho medo de perder minha mãe e tenho certeza de que sentirei falta de cada uma de suas manias irritantes.
Ela usa determinadas expressões que só me lembro de ter ouvido na televisão, há muitos anos. Uma parcela de pagamento nunca é apenas uma parcela, sempre será uma “suave prestação”. Ela deve ter visto isso em algum comercial dos anos 1980 e esta virou a sentença padrão para sinalizar que ela está parcelando uma compra. Quando alguém ganha no jogo de cartas nunca será apenas o vencedor. “O grande vencedor é...”, anunciará minha mãe, como se todos estivéssemos na entrega do Oscar. Nunca o ganhador nem a pessoa que mais pontuou. Sempre “o grande vencedor”. Quando o dia amanhece com sol, ele não está bonito ou ensolarado, está “MA-ra-vi-lho-so”, com sílabas separadas e ênfase no “MA”, que de tão alto pode assustar um desatento vizinho.
Minha mãe fecha o registro do gás do apartamento, alegando que tem vazamento. Lembra meu vô, que fechava o registro de água quando achava que estávamos gastando muito, dando a mesma desculpa. Tem vazamento, dizem eles. Todos os outros 119 apartamentos lidam bem com o fato de seus registros ficarem abertos por todo o tempo, menos a senhora minha mãe do 206. Para fritar um ovo, tenho que caminhar até o corredor do andar, achar o registro, abri-lo, fazer minha omelete para ouvir 15 minutos depois um berro: “Fecharam o registro do gás?”.
Se decidimos ir até a casa de algum amigo de carro, este será o assunto da semana. “Que dia vocês vão? Que horas? Qual caminho pretendem fazer?” Passaremos dias discutindo qual será a melhor rota e como poderemos evitar o trânsito inevitável de uma cidade turística. Mesmo depois de explicar que todos os celulares possuem GPS, que a inteligência algorítmica do Google nos avisa quando há engarrafamento e oferece rotas alternativas, minha mãe continuará nos dizendo para sairmos com o carro apenas depois das dez da noite. “Não podemos chegar na casa de amigos tão tarde, mãe”, digo. “Então às seis da manhã! São os únicos horários possíveis!”
Por fim, uma pequena mania que minha mãe tem é celebrar minha pequena fama. Olha ao redor em locais públicos pra verificar se alguém está me reconhecendo. Fala meu nome alto, na esperança de que alguém perceba que está diante de uma microcelebridade local. Quando me reconhecem, prontifica-se a tirar fotos com o celular. Depois de duas ou três fotos, diz pra irmos embora. “O assédio está muito grande”, reclama. E voltamos ao apartamento que ela ainda está pagando, em suaves prestações.
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