sábado, 1 de fevereiro de 2014

WALCYR CARRASCO
31/01/2014 20h58

A internet selvagem

O nível de intolerância na rede é espantoso. Podem me xingar, ameaçar. Já estou calejado

Falar de tudo de bom que a internet trouxe para nossas vidas seria redundante. A começar de sua incrível capacidade de redimensionar os relacionamentos, por meio das redes sociais, e de criar novas capacidades de mobilização. Eu sou fã, sim, da internet.

Mas também tenho visibilidade pública, por escrever novelas. Descobri que a internet me tornou alvo de intolerantes ou de pessoas visivelmente mal-intencionadas. Pior, as pessoas acreditam no que leem. Mais que isso: boa parte da imprensa também se garante com informações jogadas na rede. Claro que não se trata de veículos ou mesmo jornalistas respeitáveis. Mas quem lê faz esse discernimento?

O nivel de intolerância no Twitter é espantoso. Há pessoas que entram não para criticar, mas para me xingar, simplesmente. “Idiota” ou “Tudo o que você escreve é uma porcaria” são xingamentos comuns. Muitas vezes, quando a colocação era mais amena, eu tentava responder. Em muitas, descobria ser impossível: o usuário não existia mais. 

Há quem crie perfis falsos, entre, xingue e delete o fake. Noutros casos, uma mesma frase, contra a novela, era repetida de forma incessante, aparentemente por pessoas diferentes. O texto, sempre igualzinho, até nas vírgulas. Já me falaram da existência de robôs programados para soltar frases contra uma pessoa, produto ou programa. Dizem que é uma estratégia da concorrência, mas não se pode afirmar. Outra estratégia é a contratação de pessoas, não diretamente ligadas a empresa, que ganham para detonar algum alvo.

Tudo o que é dito ganha jeito de verdade na internet. Imagino que exista um grande número de pessoas mentalmente desequilibradas se divertindo em atacar pela internet. Uma professora com quem sempre falo tem sido alvo de ataques constantes de uma ex-amiga, a ponto de entrar em depressão. O motivo: o interesse das duas pelo mesmo rapaz. Que, aliás, pelo que sei, não está nem aí para nenhuma delas.

Certa vez, uma atriz desempregada expôs nossa discussão no Facebook para me acusar de racismo num grande jornal paulista. Óbvio, era negra. Impossível dizer de onde ela tirou a acusação, já que na conversa eu dizia claramente que quero trabalhar com atrizes negras, que preciso delas. Mas que não trabalharia com ela especificamente, por ser chata. Meu Deus, como era chata e rancorosa! O jornal publicou a íntegra da conversa. A manchete me acusava. Só quem leu frase a frase constatou que eu falava a favor de atrizes negras. Detalhe: o jornal não me ligou para saber meu lado da questão. Só deu o dela. Provavelmente, o jornalista não tem ideia do número de pedidos de papéis que um autor recebe diariamente. E das acusações que se seguem. Na maioria dos casos, quando aconselho a estudar interpretação antes de iniciar a carreira, recebo respostas chocadas, pois a pessoa prefere acreditar em seu talento inato.

Depois de uma novela das 21 horas, me sinto calejado em relação às redes sociais. Podem me xingar, ameaçar. Bloqueio a pessoa, que certamente ressurgirá com um perfil falso, obcecada em me destruir. Já me arrumaram amores, novas novelas, fofocas de todo tipo. Outro dia alguém declarou que eu havia passado o fim de semana em Angra, acompanhado. Mentira. Estava em São Paulo, quietinho no meu canto, terminando a novela. Recebi vários e-mails, virei comentário no país todo, e alguns jornais reproduziram a bobagem. Pes­soas próximas a mim se disseram magoadas, por não ter sido convidadas. Adianta insistir que não fui?

É mais terrível quando isso acontece com alguém mais frágil, não famoso, que de repente se torna alvo da intolerância de um grupo, como essa professora de quem falei. É uma mulher gentil. Escreveu um livro de poemas, que editou por conta própria. Ultimamente, me pede ajuda com frequência, por não suportar os ataques constantes da ex-amiga. Sinceramente, só sei amenizar a situação. Como se defender da maldade pura? Entre adolescentes, há casos piores, de bullying explícito. Aquilo que era íntimo se torna público.


Obviamente, sou a favor da liberdade de expressão. Mas talvez fosse o caso de impedir a existência de fakes. É atrás das máscaras virtuais que se escondem os intolerantes, acusadores, agressores de todo tipo. Não sei sequer se isso é possível. Jamais pensaria em proibições de redes sociais e sites específicos, como na China. Mas a internet se tornou um território selvagem, onde os frágeis não têm vez.

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