WALCYR CARRASCO
31/01/2014 20h58
A internet selvagem
O nível de intolerância na rede é
espantoso. Podem me xingar, ameaçar. Já estou calejado
Falar de tudo de bom que a
internet trouxe para nossas vidas seria redundante. A começar de sua incrível
capacidade de redimensionar os relacionamentos, por meio das redes sociais, e
de criar novas capacidades de mobilização. Eu sou fã, sim, da internet.
Mas também tenho visibilidade
pública, por escrever novelas. Descobri que a internet me tornou alvo de
intolerantes ou de pessoas visivelmente mal-intencionadas. Pior, as pessoas
acreditam no que leem. Mais que isso: boa parte da imprensa também se garante
com informações jogadas na rede. Claro que não se trata de veículos ou mesmo
jornalistas respeitáveis. Mas quem lê faz esse discernimento?
O nivel de intolerância no
Twitter é espantoso. Há pessoas que entram não para criticar, mas para me
xingar, simplesmente. “Idiota” ou “Tudo o que você escreve é uma porcaria” são
xingamentos comuns. Muitas vezes, quando a colocação era mais amena, eu tentava
responder. Em muitas, descobria ser impossível: o usuário não existia mais.
Há
quem crie perfis falsos, entre, xingue e delete o fake. Noutros casos, uma
mesma frase, contra a novela, era repetida de forma incessante, aparentemente
por pessoas diferentes. O texto, sempre igualzinho, até nas vírgulas. Já me
falaram da existência de robôs programados para soltar frases contra uma
pessoa, produto ou programa. Dizem que é uma estratégia da concorrência, mas
não se pode afirmar. Outra estratégia é a contratação de pessoas, não diretamente
ligadas a empresa, que ganham para detonar algum alvo.
Tudo o que é dito ganha jeito de
verdade na internet. Imagino que exista um grande número de pessoas mentalmente
desequilibradas se divertindo em atacar pela internet. Uma professora com quem
sempre falo tem sido alvo de ataques constantes de uma ex-amiga, a ponto de
entrar em depressão. O motivo: o interesse das duas pelo mesmo rapaz. Que,
aliás, pelo que sei, não está nem aí para nenhuma delas.
Certa vez, uma atriz desempregada
expôs nossa discussão no Facebook para me acusar de racismo num grande jornal
paulista. Óbvio, era negra. Impossível dizer de onde ela tirou a acusação, já
que na conversa eu dizia claramente que quero trabalhar com atrizes negras, que
preciso delas. Mas que não trabalharia com ela especificamente, por ser chata.
Meu Deus, como era chata e rancorosa! O jornal publicou a íntegra da conversa.
A manchete me acusava. Só quem leu frase a frase constatou que eu falava a
favor de atrizes negras. Detalhe: o jornal não me ligou para saber meu lado da
questão. Só deu o dela. Provavelmente, o jornalista não tem ideia do número de
pedidos de papéis que um autor recebe diariamente. E das acusações que se
seguem. Na maioria dos casos, quando aconselho a estudar interpretação antes de
iniciar a carreira, recebo respostas chocadas, pois a pessoa prefere acreditar
em seu talento inato.
Depois de uma novela das 21
horas, me sinto calejado em relação às redes sociais. Podem me xingar, ameaçar.
Bloqueio a pessoa, que certamente ressurgirá com um perfil falso, obcecada em
me destruir. Já me arrumaram amores, novas novelas, fofocas de todo tipo. Outro
dia alguém declarou que eu havia passado o fim de semana em Angra, acompanhado.
Mentira. Estava em São Paulo, quietinho no meu canto, terminando a novela.
Recebi vários e-mails, virei comentário no país todo, e alguns jornais
reproduziram a bobagem. Pessoas próximas a mim se disseram magoadas, por não
ter sido convidadas. Adianta insistir que não fui?
É mais terrível quando isso
acontece com alguém mais frágil, não famoso, que de repente se torna alvo da
intolerância de um grupo, como essa professora de quem falei. É uma mulher
gentil. Escreveu um livro de poemas, que editou por conta própria. Ultimamente,
me pede ajuda com frequência, por não suportar os ataques constantes da
ex-amiga. Sinceramente, só sei amenizar a situação. Como se defender da maldade
pura? Entre adolescentes, há casos piores, de bullying explícito. Aquilo que
era íntimo se torna público.
Obviamente, sou a favor da
liberdade de expressão. Mas talvez fosse o caso de impedir a existência de
fakes. É atrás das máscaras virtuais que se escondem os intolerantes,
acusadores, agressores de todo tipo. Não sei sequer se isso é possível. Jamais
pensaria em proibições de redes sociais e sites específicos, como na China. Mas
a internet se tornou um território selvagem, onde os frágeis não têm vez.
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