VINICIUS TORRES
FREIRE
Beijo gay, China e crise
Verão de 2014 pode ter calor,
beijos, rolês e tumultos históricos, inclusive na finança global
QUEM SABE O VERÃO de 2014 seja
histórico. Quiçá o mais quente em um século. O verão do beijo gay da novela. Do
rolezinho. Das cabeças cortadas do Maranhão. Dos ônibus queimados de São Paulo.
Talvez não.
A gente já esqueceu os calabouços
do Maranhão. Os rolezinhos começam a parecer uma breve revoada de aleluias
(cupins) de primavera. Para os ônibus queimados ninguém parece ligar muito, a
não ser na periferia de clima sempre quente.
Haverá um beijo gay na novela de
outono-inverno? Virá o beijo lésbico? O sistema bancário paralelo chinês começa
a quebrar antes da Semana Santa? A crise financeira dura até o Carnaval? Como?
Ahn?
Janeiro de 2014 pode ter sido o
mês historicamente desafortunado em que se ouviram os primeiros estalos das
rachaduras da economia chinesa.
No mínimo, os tremeliques
chineses causam danos em economias já avariadas pelas mudanças nos EUA. O
tamanho do estrago ainda é uma incógnita.
Uma dúzia de relatórios de
bancões mundiais indica que o pessoal ainda está bem perdido. Na opinião mais
frequente, mesmo que o tumulto se amaine daqui a um pouco, haverá novos surtos
nos próximos meses. Quando há pânico, ninguém sabe a besteira que pode dar.
De menos incerto, esta rodada de
paniquitos resultou pelo menos em altas de taxas de juros em vários países
"emergentes", além de desvalorizações com potencial inflacionário
razoável, as quais vão cobrar juros maiores mais adiante.
De imediato, isso implica que
essas economias vão crescer menos. A China também vai crescer menos. Quanto
menos é a questão. Os "emergentes" são agora uma fatia muito maior da
economia mundial. Seu desempenho econômico é mais relevante para o mundo,
especialmente para eles (nós) mesmos.
Além disso, há rumores
preocupantes a respeito do sistema bancário paralelo chinês ("shadow
banking"). Trata-se de fundos que captam dinheiro para investimentos em
projetos algo periclitantes, com garantias duvidosas e supervisão quase
nenhuma. Ou de fundos de securitização (de revenda de pacotes de crédito para
investidores, parecidos com os derivativos que deram origem à crise americana,
em 2007-08).
Esses veículos juntaram fundos
para investimentos de retorno superestimado e ofereceram garantias ruins. Na
semana passada, um troço desses quase quebrou.
Como o Ocidente ainda entende
muito mal a China, o risco de quebras em série pode ser exagero, embora o
excesso de investimento chinês seja um fato. O governo está tentando desarmar
esse excesso, o que implica de qualquer modo desaceleração da economia e
mudança do padrão de crescimento, com mais consumo e menos investimento, do que
se fala faz mais de meia década. Se vai dar para fazer a sintonia fina sem
acidentes, sabe-se lá.
Com mais ou menos tumulto, o
início de 2014 é de viradas fortes na economia mundial: a do padrão chinês de
crescimento, a da superabundância de dinheiro a juro baratinho, enfim, da maré
montante que levantou tanto país emergente, como o Brasil.
É um início de ano histórico. Mas
será melhor que dele fique na memória o beijo gay num rolezinho do Maranhão, em
vez de um rolo de escala mundial.
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