domingo, 2 de fevereiro de 2014

VINICIUS TORRES FREIRE

Beijo gay, China e crise

Verão de 2014 pode ter calor, beijos, rolês e tumultos históricos, inclusive na finança global

QUEM SABE O VERÃO de 2014 seja histórico. Quiçá o mais quente em um século. O verão do beijo gay da novela. Do rolezinho. Das cabeças cortadas do Maranhão. Dos ônibus queimados de São Paulo.

Talvez não.

A gente já esqueceu os calabouços do Maranhão. Os rolezinhos começam a parecer uma breve revoada de aleluias (cupins) de primavera. Para os ônibus queimados ninguém parece ligar muito, a não ser na periferia de clima sempre quente.

Haverá um beijo gay na novela de outono-inverno? Virá o beijo lésbico? O sistema bancário paralelo chinês começa a quebrar antes da Semana Santa? A crise financeira dura até o Carnaval? Como? Ahn?

Janeiro de 2014 pode ter sido o mês historicamente desafortunado em que se ouviram os primeiros estalos das rachaduras da economia chinesa.

No mínimo, os tremeliques chineses causam danos em economias já avariadas pelas mudanças nos EUA. O tamanho do estrago ainda é uma incógnita.

Uma dúzia de relatórios de bancões mundiais indica que o pessoal ainda está bem perdido. Na opinião mais frequente, mesmo que o tumulto se amaine daqui a um pouco, haverá novos surtos nos próximos meses. Quando há pânico, ninguém sabe a besteira que pode dar.

De menos incerto, esta rodada de paniquitos resultou pelo menos em altas de taxas de juros em vários países "emergentes", além de desvalorizações com potencial inflacionário razoável, as quais vão cobrar juros maiores mais adiante.

De imediato, isso implica que essas economias vão crescer menos. A China também vai crescer menos. Quanto menos é a questão. Os "emergentes" são agora uma fatia muito maior da economia mundial. Seu desempenho econômico é mais relevante para o mundo, especialmente para eles (nós) mesmos.

Além disso, há rumores preocupantes a respeito do sistema bancário paralelo chinês ("shadow banking"). Trata-se de fundos que captam dinheiro para investimentos em projetos algo periclitantes, com garantias duvidosas e supervisão quase nenhuma. Ou de fundos de securitização (de revenda de pacotes de crédito para investidores, parecidos com os derivativos que deram origem à crise americana, em 2007-08).

Esses veículos juntaram fundos para investimentos de retorno superestimado e ofereceram garantias ruins. Na semana passada, um troço desses quase quebrou.

Como o Ocidente ainda entende muito mal a China, o risco de quebras em série pode ser exagero, embora o excesso de investimento chinês seja um fato. O governo está tentando desarmar esse excesso, o que implica de qualquer modo desaceleração da economia e mudança do padrão de crescimento, com mais consumo e menos investimento, do que se fala faz mais de meia década. Se vai dar para fazer a sintonia fina sem acidentes, sabe-se lá.

Com mais ou menos tumulto, o início de 2014 é de viradas fortes na economia mundial: a do padrão chinês de crescimento, a da superabundância de dinheiro a juro baratinho, enfim, da maré montante que levantou tanto país emergente, como o Brasil.


É um início de ano histórico. Mas será melhor que dele fique na memória o beijo gay num rolezinho do Maranhão, em vez de um rolo de escala mundial.

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