ANTONIO PRATA
Vespertina tropical
É um troço estupendo: mais bonito
que o pôr do sol, mais improvável que a girafa, mais grandioso que o relâmpago
Então Deus, tendo acabado de
criar o firmamento e os continentes, o homem e a mulher, a zebra, os elétrons,
o umbu e a neblina, quis dar um último toque em Sua obra: num arroubo de
lirismo, lá pelas 17h54 do sexto dia, pintou a aurora boreal. É, de fato, um
troço estupendo: mais bonito que o pôr do sol, mais improvável que a girafa,
mais grandioso que o relâmpago. Era pra ser o corolário da criação, a maior
atração da Terra, diante da qual casais em lua de mel deixariam cair os
queixos, japoneses ergueriam as câmeras e mochileiros bateriam palmas,
contentes por terem nascido neste planeta abençoado e multicolor, mas,
infelizmente, como se sabe, a aurora boreal não pegou.
Claro: é longe, é raro e é muito
cedo, como esses espetáculos incríveis encenados domingo de manhã no Sesc
Belenzinho. Imagina se a aurora boreal fosse nos trópicos, seis e meia da
tarde? O sujeito tá num táxi na avenida Atlântica, olha pro lado, o céu todo
verde e amarelo e laranja e roxo, saca o celular, faz um "selfie"
[tava louco pra usar essa palavra], posta "#vespertinatropical!!!" e
segue pra casa, satisfeito. Mas não, é pra lá da Groenlândia, 4h30 AM, ninguém
sabe quando: aí, não adianta reclamar que o público é ignorante e prefere a
caretice hollywoodiana de um arco-íris.
Fosse só a aurora boreal, beleza,
mas a natureza tá cheia de desarranjos semelhantes. Não surpreende: ela foi
criada há milhões de anos, nunca passou por uma revisão e ainda é administrada
pelo fundador. Se eu fosse Javé, chamava uma dessas consultorias especializadas
em fazer a transição de empresas familiares para organizações, digamos, mais
competitivas, e dava um choque de gestão. Nem precisa gastar muito, basta
alocar melhor os recursos.
Veja os cometas, por exemplo.
Tudo espalhado por aí, nos visitam só a cada 70, cem anos, às vezes chegam de
lado, outras vezes de dia, ninguém vê, baita desperdício de energia. Por que
não otimizar essas órbitas? Fazer com que venham cinco, dez ao mesmo tempo na
noite de Réveillon, proporcionando uma queima de fogos global à nossa sofrida
humanidade?
A gravidade é outro assunto que
merece uma calibrada: tem que ser mesmo 9,8 m/s2? Por quê? Como Deus chegou a
esse número? Gostaria que Ele abrisse as planilhas para entendermos se cada
m/s2 é realmente necessário. Com metade dessa atração, nós continuaríamos
colados ao chão e seria muito mais agradável se locomover por aí. O mínimo que o
Senhor poderia fazer era dar uma amainada de dezembro a março: imagina que
alívio encarar esse calorão com 25% menos esforço, durante a "Gravidade de
Verão". Sem falar, óbvio, em 50% para grávidas, idosos e cadeirantes.
Não tenho dúvida de que o Todo Poderoso
resistirá a essas e outras reformas. Criar o Universo é o tipo da coisa que
infla um pouco o ego do sujeito, mas seria bom se Ele se animasse a colocar o
mundo nos eixos --literalmente: já repararam como a Terra gira toda torta,
envergada como um frei Damião?
Se meu pacote de sugestões não
puder convencê-Lo pelo bom senso, quem sabe ao menos uma parte cutuque a Sua
vaidade? Ora, El Shaddai, a aurora boreal é um negócio tão lindo, tão
grandioso, tão divino, não é justo que siga sendo exibida, ano após ano, apenas
para os ursos-polares, as focas e a Björk, é ou não é?
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