sábado, 1 de fevereiro de 2014


02 de fevereiro de 2014 | N° 17692
O CÓDIGO DAVID

DIVERSÃO, SIM

As pessoas buscam diversão para esquecer da vida. Está na origem da palavra – divertir é desviar. Você desvia sua atenção e seus pensamentos da realidade pedregosa e se concentra num jogo, numa brincadeira, num conto, em algo que se parece com a vida, mas não é.

Daí, manobra diversionista, arte na qual as mulheres são peritas. Elas dão a impressão de querer uma coisa, quando na verdade querem outra. E nós homens, sempre tão diretos, sempre tão inocentes, nós, frente a todo aquele arsenal de ardis, nós somos iludidos, nós sofremos. Pobres de nós.

Para esquecer todas essas vicissitudes, só mesmo com muita diversão. Diversão, sim, é solução pra mim.

Álcool e virgens

Diversão.

Esquecimento.

Não é por outra razão que todas as civilizações humanas consumiram drogas e álcool. Para se divertir. Para esquecer.

Nos países muçulmanos, ninguém bebe. O álcool é proibido, e seus consumidores duramente punidos. Mas o que oferece o sétimo céu do Islã? Setenta e duas huris, mulheres virgens e carinhosas, e vinho à vontade, sem o desconforto da ressaca.

Alguns homens-bomba se explodem para poder beber. Para poder esquecer.

Bar no gelo

O bar é um lugar de esquecimento. Nos Estados Unidos, o lugar para beber e esquecer é o bar. Na rua, ninguém pode beber. Então, há todos os tipos de bares por aqui, para todos os tipos de preferências.

Algumas incompreensíveis.

Por exemplo, o Ice Bar, muito frequentado. É um bar em que o sujeito fica cercado de gelo. A temperatura interna é de cinco graus abaixo de zero, você precisa vestir um macacão térmico para ir lá esquecer-se da vida. Não consigo entender como alguém pode gostar disso. Além do mais, a temperatura em Nova York, por esses dias, era de 10 abaixo de zero. Por que alguém sai da rua e vai para um bar desses? Para se aquecer?

Em compensação, em Boston fui a um bar interessantíssimo. Liberty. Fica num hotel. Mas não é um bar comum de hotel, não: toda a parte central do hotel é o bar. Imagine o Museu Guggenheim ou o Iberê Camargo, ou um shopping circular. O centro desses prédios é como um jardim de inverno, não é? Pois o Liberty é assim. Os quartos do hotel se situam do centro para trás, em direção à rua. No centro, há o bar. Um bar gigantesco, de cinco andares, o som rolando, as pessoas bebendo nos sofás, nas mesinhas ou de pé mesmo.

Fazia um frio de 13 abaixo de zero, quando fui a esse bar. Mas, acredite, as meninas chegavam fardadas de minissaia e blusinhas sumárias. Deixavam os casacões na chapelaria e enfrentavam o frio com denodo de partisans russos enfrentando o exército alemão na Operação Barbarossa. Por quê? Porque tornar-se inesquecíveis. E aí, com uma mulher dessas, para que esquecer-se da vida? A vida bem pode ser preenchida por uma mulher inesquecível.

A 87ª DP

Well, como diria o Paulo Francis. Provavelmente em nenhuma outra cidade do mundo você poderá esquecer-se dos pântanos da existência como em Nova York. Cada metro da Big Apple foi feito para as delícias da vida mundana. Você caminha e se diverte. Nova York é uma cidade leve. Ou, pelo menos, tornou-se uma cidade leve, bem diferente daquela de antes dos anos 80, antes da tolerância zero de Rudolph Giuliani, a cidade soturna dos Embalos de Sábado à Noite de John Travolta e de todos os Desejo de Matar de Charles Bronson.

Aquela antiga NYC era a cidade retratada por Ed McBain nos romances da 87ª Delegacia, onde rebrilhava o detetive Steve Carella. Sou um leitor de Ed McBain, li todos os seus livros publicados no Brasil, inclusive os assinados com seu outro nome, Evan Hunter. O Carlos Gerbase, que também é fã do Mc Bain, conta que uma vez foi procurar livros dele nos sebos de Porto Alegre e, onde chegava, lhe diziam:

– O David já levou todos.

Lamento, Gerbas. Seja mais rápido da próxima vez.


McBain nunca disse que a cidade da 87ª DP era NYC. Ele só diz “nesta cidade”. Mas depreende-se. Nova York é um personagem dos romances, junto com Carella, só que é uma Nova York sombria, encardida, perigosa, selvagem. A Nova York de hoje, só não diria que se trata de uma cidade suave porque nenhuma metrópole deste tamanho é suave. Como todas as megalópoles, Nova York tem seus perigos, suas mazelas e seus engodos. Mas é uma cidade alegre, sem dúvida. Uma cidade que se diverte.

Nenhum comentário: