01 de fevereiro de 2014
| N° 17691
PAULO SANT’ANA
Dirigir é viver
Só cantando a marchinha pra
resistir:
Porto Alegre, cidade que nos
seduz
De dia, falta ônibus,
De noite, falta luz
Varei um século improficuamente à
espera de que as pessoas reconhecessem que fui grandioso nos meus acertos e que
relevassem meus erros na conta de minhas pressas ou de meu despreparo.
Só quero que compareçam ao meu
enterro as pessoas que reconhecerem que errei ou acertei sempre na certeza de
que estava acertando, embora com algum medo de que pudesse estar errando.
Havia ontem sobre Porto Alegre,
às cinco e meia em ponto da tarde, um céu misto de luminoso e pardacento, o que
enfeitava estranhamente a paisagem.
Parecia ser um sol algo tímido,
talvez ansioso de que voltasse a chuva ou então querendo outra vez vingar-se
das chuvas intermitentes que caíram nos últimos dias.
Belo fim de tarde ontem em minha
cidade, mesmo que eu estivesse dentro de casa e não tivesse ângulo para
verificar se havia pôr do sol nítido sobre o Guaíba.
Sempre achei que eu fosse mais
inteligente à tarde do que pela manhã.
É que, tempos depois de que me
levanto da cama pela manhã, sinto ainda um emaranhado intelectivo em minha
mente.
Com a tarde já acontece
diferente, passo a pensar com leveza ou com profundidade. Os pensamentos
escorrem de modo mais fácil e mais brilhantemente sobre a minha cabeça, talvez
já no consolo de que daqui a poucas horas conseguirei dormir novamente.
Embora o momento em que consigo
pensar mais escorreitamente não seja a tarde, é na madrugada de insônia que
produzo melhor intelectualmente.
Se eu pudesse me conduzir na vida
com a maestria com que meu motorista me conduz pelas ruas da cidade, eu seria
um campeão de filosofia e felicidade.
Se eu soubesse me esquivar dos
obstáculos que a vida me oferece como meu motorista se esgueira habilidosamente
entre os carros nas travessias que ele faz airosamente pelas ruas e avenidas,
eu até poderia não ser feliz, mas não por falta de aptidão.
Se eu pudesse chegar ao fim da
vida como meu motorista me deixa em casa todas as noites, isto é, desguiando
por todas as encrencas do trânsito sem nenhuma batida, eu terei sido um homem
feliz e realizado na reta final da existência.
Se eu puder passar por todas as
aflições da vida sem nunca ser multado por ela como meu motorista consegue
chegar ao final do ano sem qualquer arranhão na sua folha corrida de condutor,
então eu terei, sem dúvida, vivido uma existência exemplar.
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