sábado, 1 de fevereiro de 2014


01 de fevereiro de 2014 | N° 17691
NÍLSON SOUZA

Cartas do antes

Encontrei um tesouro de papel. Antes que alguém imagine pacotes de dólares ou euros, já vou explicando que se trata de uma fortuna exclusiva, pessoal e intransferível, de imenso valor afetivo para este escriba e talvez pouca ou nenhuma relevância para terceiros. Ainda assim, peço permissão aos leitores para compartilhar a minha descoberta. São papéis escritos a lápis ou com caneta-tinteiro, relíquia que por si só já explica a origem dos documentos. Vieram do Antes – um tempo anterior à minha própria existência.

São cartas de amor, escritas por dois jovens apaixonados. Muito apaixonados. Pelo que consegui recuperar, penso que escreviam quase uma carta por dia, em páginas pautadas, a maioria extraídas de cadernos antigos, muitas delas nas chamadas folhas de papel almaço porque a paixão era imensa e as linhas insuficientes. Nem todas as mensagens estão em bom estado. 

Quase tive que passar a ferro algumas delas, tão amassadas estavam, resultado de sucessivas dobras para ocupar menor espaço nos insuspeitos desvãos em que foram guardadas por anos seguidos. Tive, inclusive, que espanar a poeira das décadas com um pincel de fios delicados, para tornar visíveis e legíveis os textos sem danificar mais o papel.

E o que diziam aqueles jovens do pretérito? Ora, diziam o mesmo que os apaixonados de hoje dizem, coisas tão bobas quanto essenciais, saudades inesgotáveis, vontade de ficar junto para sempre, olhares cúmplices, lágrimas por nada, risos por tudo. O amor, sabem as leitoras e os leitores, não precisa de tradução. 

Claro, os bilhetes não eram tão audaciosos nem tão explícitos como são hoje os torpedos dos meninos e das meninas da era digital. Gíria, então, nem pensar. As cartinhas eram cheias de formalidade. Amor imenso, embriagado de juventude, mas tudo com muito recato e elegância. Chega a ser divertido constatar que noivos apaixonados se despediam, muitas vezes, com um “sincero aperto de mão”.

Confesso que, em alguns momentos desta viagem, à intimidade do casal prestes a se formar, me senti um pouco constrangido. Será que eu tinha direito de espiar pela janela do passado? Como aquele personagem do filme De Volta para o Futuro, que, em determinado momento, acompanha o namoro dos pais, sem poder interferir, acabei me autorizando. Afinal, eu tinha um salvo-conduto para aquela investigação. Sabia, mais do que ninguém, que aquele amor tinha dado certo, que todas aquelas promessas e suspiros em letra cursiva tinham se transformado na mais sublime realidade.


Se não fosse assim, eu não estaria aqui para contar esta história que as cartas do antes me revelaram.

Nenhum comentário: