04
de dezembro de 2013 | N° 17634
CARLOS
GERBASE
A moral do Tio
Jack
Muito
se falou e escreveu sobre a trajetória moral de Walter White, personagem
principal da série Breaking Bad, mas, mesmo assim, faço o resumo da ópera:
respeitável professor de química, casado, com um filho adolescente e outro na
barriga da mulher, descobre que tem câncer e vai deixar a família em má
situação financeira. Com a ajuda de um jovem ex-aluno, transforma-se num
bem-sucedido fabricante de metanfetamina e, à medida que as temporadas passam,
num criminoso.
Pouco
se falou, porém, sobre a trajetória moral, bem mais curta, do Tio Jack,
personagem secundário da quinta temporada. Tio Jack é um bandido clássico, sem
qualquer nuance psicológica: cara feia, dentes sujos, suástica tatuada no
pescoço e escrúpulos perdidos aos cinco anos de idade, quando quebrou a cara do
primeiro guri que não lhe entregou um troco pra comprar cigarro (isso não está
na série: personagens secundários não têm direito a flash-back).
Tio
Jack, contudo, tem um código moral. Ao descobrir US$ 8 milhões enterrados por
Walter White, manda que seus comparsas reservem um milhão para o ex-professor.
O resto da gangue não gosta da decisão de Tio Jack, mas este responde: “Nós já
temos sete. Por que vocês têm que ser tão ambiciosos?”. O bandido com a
suástica mostra que é capaz de um gesto altruísta.
Os
governos e a mídia tentaram dividir os participantes das manifestações de junho
em dois grupos bem distintos: os ordeiros, pacíficos e democráticos cidadãos de
bem (a maioria); e os desordeiros, violentos e mal-intencionados vândalos do
outro (a minoria). Para os primeiros, pregou-se o direito à livre expressão.
Para os segundos, bala de borracha e cassetete no lombo. Até aí, tudo bem.
Repressão ao vandalismo faz parte do estado de direito.
No
entanto, segundo o testemunho de várias pessoas que estavam nas manifestações,
essa tentativa de traçar uma linha bem clara entre os dois grupos, na prática,
não funciona. De vez em quando, um “cidadão de bem”, que carregava um cartaz
pedindo paz, pegava uma pedra e jogava na direção dos brigadianos.
E,
logo depois, um “vândalo violento” estava protegendo uma mulher caída, ameaçada
pelas patas de um cavalo democrático. A natureza humana é um misto de Walter
White e Tio Jack. E, quando quebra o pau, às vezes é a volátil reserva moral do
Tio Jack que decide a nossa sorte.
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