segunda-feira, 2 de dezembro de 2013


02 de dezembro de 2013 | N° 17632
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

América Latina

O incêndio do Memorial da América Latina, com suas perdas culturais e artísticas, chama nossa atenção à simbologia do sinistro. Claro, a América Latina não ardeu em chamas; ela segue íntegra e forte. É América, sim, mas a que acrescentaram o adjetivo “latina”, não por sua posição geográfica, o que seria mais natural (vide “América do Norte”), mas à formação de sua cultura, de forte raiz latina, englobando-se nesse sintagma as línguas como definidoras: o espanhol e o português, ambas derivadas do Latim, mas não seus aspectos culturais.

Essa curiosidade na denominação, por genérica, encerra alguns preconceitos típicos de quando se quer incluir na mesma definição um conjunto de elementos diferentes entre si. O nosso país, por exemplo, conheceu uma profunda miscigenação de povos extracontinentais, a começar pelos enormes contingentes africanos que falavam de tudo, menos, e sabidamente, alguma língua latina; se suas línguas originais não vingaram íntegras, os elementos de suas culturas integraram-se ao modo de ser brasileiro a ponto de não sabermos onde uma cultura começa e onde termina a outra.

Da mesma forma, os povos indígenas eram portadores de formas de expressão linguística extremamente ricas, de um léxico refinado e de uma sintaxe complexa, que igualmente pereceu ante a língua dominante, mas que deixou marcas em nossas expressões cotidianas e que saborosamente reproduzimos. Se pensarmos nas vagas imigratórias europeias e asiáticas, o quadro torna-se ainda mais multicolorido e sedutor.

A assimilação dessas convergências não significou apenas uma mutação na área da expressão oral e escrita, mas também a composição étnica que, aqui, encontrou um dos maiores campos de sincretismos de toda natureza.

Sendo assim, a denominação “latina” pespegado à nossa América, é um constructo intelectual erudito que prima por ser redutor e, por redutor, injusto.

Não, não se quer propor nenhuma espécie de mudança no nome que aprendemos desde crianças, mas que tenhamos a consciência de que nem sempre somos senhores de nossos nomes, e que eles estão sujeitos às imposições de outras latitudes.


O incêndio do Memorial da América Latina reduziu a pó e escombros uma parcela importante de nossas melhores expressões artísticas, mas nossas culturas, essas que permeiam nosso sangue e músculos, essas são reafirmadas a cada dia de nossas vidas, e não são sujeitas ao fogo e ao perecimento.

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