quinta-feira, 8 de dezembro de 2011


Pasquale Cipro Neto

Coesão textual

Se a coesão é boa, a leitura flui; não é preciso voltar aos trechos anteriores para que se saiba do que se fala

Os vestibulares já estão aí. Quem lê atentamente o programa de português de vestibulares e concursos certamente encontra um item curto e grosso: "coesão textual".

A coesão se ocupa essencialmente da "costura" do texto, o que inclui, por exemplo, o emprego de termos que conectam as partes (uma palavra que retoma ou substitui outra, já citada, por exemplo). Quando a coesão é bem-feita, a leitura do texto flui, isto é, não é necessário voltar às passagens anteriores para que se saiba do que ou de quem se fala.

Um dos expedientes de coesão mais utilizados é o lexical. Como se sabe, o léxico é o "repertório de palavras existentes numa determinada língua" ("Houaiss"). Num texto sobre futebol, ocorre coesão lexical quando se emprega, por exemplo, "o atacante" no lugar de um jogador que exerça essa função. É óbvio que o emprego de "o atacante" só é possível se o nome do jogador em questão já tiver sido citado no texto.

Bem, na verdade, a julgar pelo que se anda lendo aqui e ali, o meu "é óbvio" não é tão óbvio assim. Veja este trecho, retirado de um site: "Duas pessoas morreram e uma ficou ferida após terem sido atropeladas na manhã deste sábado... (...) Segundo o Corpo de Bombeiros, as vítimas eram ajudantes de jardinagem.

Eles trabalhavam no local quando o motorista do Toyota Hilux perdeu o controle da direção e invadiu o canteiro. (...) O motorista do carro, um bancário de 32 anos, foi preso em flagrante por homicídio doloso... (...) O homem se recusou a passar pelo teste do bafômetro, mas, segundo o tenente da PM, Luís Gomes, o motorista apresentava sinais de embriaguez, como... (...)

Além disso, foram encontradas garrafas de bebidas alcoólicas no veículo. Na delegacia, ele admitiu que voltava de uma 'balada', onde ingeriu bebida alcoólica. O bancário foi levado ao Instituto Médico Legal para a realização de exame de dosagem alcoólica ou exame clínico".

Ufa! O caro leitor percebeu que, de acordo com o texto, existe apenas um Toyota Hilux na cidade em que ocorreu o acidente? Se não percebeu, volte ao texto, por favor ("...quando o motorista do Toyota Hilux..." -trata-se da primeira referência ao veículo no texto).

Notou também a verdadeira "salada" que se fez com o motorista do tal veículo? Vejamos (pela ordem) os termos empregados em relação a esse indivíduo: "o motorista do Toyota Hilux", "o homem", "o motorista", "ele", "o bancário".

Num dos casos, ocorre um caso típico de mau emprego do expediente de coesão. Releia comigo esta passagem: "O homem se recusou a passar pelo teste do bafômetro, mas, segundo o tenente da PM, Luís Gomes, o motorista apresentava sinais de embriaguez, como olhos avermelhados e fala pastosa".

Notou? Num mesmo período (que começa em "o homem" e termina em "pastosa"), empregaram-se dois termos ("o homem" e "o motorista") em relação ao mesmo ser. Que faz aí a expressão "o motorista"? Nada de nada. Na verdade, em vez de iniciar o período com a inacreditável expressão "o homem", o redator deveria/poderia ter empregado aí (e só aí) a expressão "o motorista".

Quer ver como foi inútil o emprego de "o homem" e de "o motorista" no mesmo período? Vamos lá: "O motorista se recusou a passar pelo teste do bafômetro, mas, segundo o tenente da PM, Luís Gomes, apresentava sinais de embriaguez...".

O caro leitor quer se preparar para as já tradicionais questões que pedem que se reescrevam adequadamente trechos como o que vimos? São muitos os sites ultracarregados de textos ruins. Reescreva-os. Material não falta. Vá à luta, pois. É isso.

inculta@uol.com.br

Nenhum comentário: