quarta-feira, 7 de dezembro de 2011


Marcelo Coelho

Conselhos de um doidão

Uma compreensão dos erros talvez seja essencial para a recuperação de todo alcoólatra ou drogado

Terapeutas, médicos, professores e sacerdotes que se cuidem. Acaba de sair um livro de alto impacto para adolescentes com problemas de drogas, alimentação, sexo e relacionamento.

Sua maior qualidade está em evitar aquele ar de "estou-entendendo-tudo-mas-na-verdade-não-estou-entendendo-nada", que parece tão comum quando adultos civilizados tentam conversar com adolescentes.

O autor não é criança (tem mais de 60 anos), mas sua capacidade de falar palavrões, inconveniências e maluquices manteve-se intocada.

Trata-se do roqueiro Ozzy Osbourne, que aparece na capa eufórico, vestido de médico, injetando substâncias suspeitas na própria cabeça.

"Confie em Mim, Eu Sou o Dr. Ozzy" (editora Benvirá; R$ 39,90, 264 págs.) reúne os textos que o vocalista da banda Black Sabbath escreveu para uma coluna de aconselhamento no "Sunday Times", com a colaboração do jornalista Chris Ayres. Ayres cobriu a guerra do Iraque e é autor de um guia sobre como escrever textos jornalísticos em áreas de conflito.

Pelo título do livro, "Reportagem de Guerra para Covardes", pode-se ter ideia de sua contribuição, em termos de autodeboche e originalidade, para os textos de Osbourne.

Mas o roqueiro é a estrela, é claro, desse engraçado e sábio manual de ajuda para adolescentes de todas as idades.

"Provavelmente, há ratos nos laboratórios do Exército dos Estados Unidos que viram menos substâncias tóxicas do que eu", diz Ozzy -e completa: "É incrível que nenhuma dessas merdas todas tenha me matado".

Ele chegou a dar positivo num exame de HIV, tão baixa a sua imunidade. Movido a drogas e álcool, tentou assassinar a própria mulher.

Recebeu tratamento antirrábico por ter devorado um morcego no palco. Fez tais e tantas que terminou sendo expulso de sua banda, que não era propriamente especializada em música evangélica.

Está em plena forma, assim, para escrever sobre o assunto com grande intimidade e descontração. Sua experiência com vexames e bebedeiras também o ajuda a tratar de outros assuntos.

Tome-se, por exemplo, o caso do sr. Leo, de Maryland, nos Estados Unidos. Ele escreve a Ozzy porque se preocupa com um início de calvície. Não é um problema que atinja o célebre roqueiro (que declara tingir a cabeleira). Em todo caso, ele dá sua opinião.

"Embora seja possível comprar ótimas perucas hoje em dia, a maioria delas é ridícula. Uma vez, num bar em Nova York, sentei ao lado de um sujeito com a pior peruca que eu já tinha visto na vida. Parecia que um gato tinha morrido em cima da cabeça dele."

Nada sóbrio naquela ocasião, Ozzy não teve dúvidas. "Arranquei a peruca e a usei para enxugar a cerveja que eu tinha derramado. O cara ficou pê da vida. Mas, se isso o ensinou a ser careca e a ter orgulho disso, eu fiz um favor a ele."

Vê-se, pelo trecho, que Rodrigo Leite fez um bom trabalho na tradução. Seria fácil estragar a torrente de coloquialismos e palavrões que confere tanta graça e naturalidade ao texto.

Uma compreensão amistosa dos próprios erros (que não se confunde com a complacência) talvez seja essencial para a recuperação de todo alcoólatra ou drogado. Não é à toa que os grupos de ajuda, reunindo adictos para conversarem entre si, fazem tanto sucesso.

Osbourne não faz pouco de seus erros e dos enormes riscos por que passou. Mas o caso do homem da peruca dá ideia de uma atitude essencialmente saudável de sua parte. Ele vê a loucura em si mesmo mas também o ridículo dos outros, e conclui pela possibilidade de que tudo, afinal, pode se converter em aprendizado, se as pessoas não se levarem muito a sério.

Com todo o humor anárquico, o livro nunca ultrapassa o sinal: sempre repetirá, página depois de página, que o importante é abandonar o consumo das drogas e não abusar de álcool.

Sua sabedoria não se confunde, todavia, com pregação. A um pai preocupado com as roupas escandalosas da filha adolescente, Ozzy responde que "infelizmente, todos os pais de meninas precisam passar por esse estágio na vida" e que, provavelmente, a garota de fato quer atenção masculina... sendo que precisará descobrir sozinha a diferenciar os tipos certos dos errados.

Lições de respeito desse tipo não faltam no livro; talvez só quem tenha se desrespeitado tanto seja capaz de apresentá-las sem parecer ter nascido em outro planeta.

coelhofsp@uol.com.br

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