sábado, 10 de dezembro de 2011



10 de dezembro de 2011 | N° 16913
DAVID COIMBRA


Saudade do ninho de abelha

Foi no último inverno. Chovia. Fazia frio. A caminho de casa, parei na padaria da Nona, ali perto do Olímpico, para comprar um pouco de torta de legumes. Gosto muito da torta de legumes da Nona.

Enquanto apontava para a torta que se exibia dentro do balcão envidraçado, vi sobre uma bandeja uma porção de algo que pareciam biscoitos retorcidos de cor dourada, do mesmo tom das pernas da Luana Piovani em fevereiro.

– Que é isso? – perguntei para a atendente.

– Ninho de abelha – ela respondeu.

Gostei do nome. Pedi uma porção e levei para casa. Estava sozinho aquela noite. Abri um tinto e o pequeno livro que o Howard Carter escreveu sobre a descoberta da tumba de Tutancâmon, com um elucidativo prefácio do Peninha.

Comecei a mastigar a torta de legumes. É boa aquela torta de legumes. Havia chegado a um dos capítulos decisivos do livro. Carter ingressava numa câmara fechada e há séculos selada do interior do mausoléu. “Três mil, talvez quatro mil anos se passaram desde que um pé humano pisou pela última vez o chão no qual você está agora”, emociona-se o grande explorador.

Foi nesse instante que, por algum motivo, decidi provar um daqueles docinhos do tal ninho de abelha. Levei-o à boca despretensiosamente, apliquei uma mordida e... aaah... ondas de prazer partiram dos meus dentes e da minha língua e estremeceram as terminações nervosas de todo o meu corpo. Aquilo era ótimo! Comi outro docinho.

E outro. E mais outro. E assim foram-se todos em poucas dentadas. Tomei uma resolução: doravante, ia aderir ao ninho de abelha. No dia seguinte, voltei à padaria da Nona, parei diante do balcão envidraçado e falei, alto e enérgico:

– Quero ninho de abelha!

– Não tem... – respondeu-me a atendente.

Fui embora frustrado, levando algumas orelhas de macaco. Retornei outro dia:

– Ninho de abelha! Preciso de ninho de abelha!

A resposta era sempre a mesma:

– Não tem...

Nunca tinha, nunca teve, nunca mais provei ninho de abelha, mas guardo aquele momento, aquele pedaço de noite de inverno, como um dos destaques do ano de 2011. Não preciso de muito para ficar contente, como você vê. Meus destaques do ano são singelos.

Melhor filme?

“Um conto chinês”, é claro. Imagine que, nesse filme, o argentino Ricardo Darín interpreta um tipo maniático, misantropo, o chato clássico, mas o faz com tanta sensibilidade que, em meio à trama, o espectador se enche de simpatia pelo personagem e termina torcendo fervorosamente por ele. O cara tem que ser craque para conseguir fazer isso.

Melhor livro?

A biografia que o alemão Rüdiger Safranski escreveu sobre Schopenhauer, não só porque é bem encadeada e bem escrita, mas porque me fez entrar numa fase de leituras schopenhaereanas e kantianas. Entendi quase tudo o que li. Talvez em 2012, quando ficar mais inteligente, entenda tudo. Talvez não.

Melhor show?

O de Paul McCartney. Foi em 2010? Então o melhor show quem deu foram as gaúchas de short curtinho, com barra no cimo das coxas, e botas de cano alto, roçando as rótulas. Um espetáculo de pernas compridas, macias e reluzentes.

Melhor momento do futebol?

Nada de Barcelona. Nada de Neymar. O grande momento do futebol de 2011 foi uma lasca de tempo em que a Dupla Gre-Nal era treinada por seus dois maiores ídolos vivos, Renato no Grêmio, Falcão no Inter. Dois mitos da bola, dois homens cordiais, inteligentes e bem humorados.

Dois gigantes que, por algum tempo, elevaram o futebol gaúcho a um nível acima da mera luta por títulos e vitórias. Algum dia voltarão, mas duvido que voltem juntos. Foi breve, mas foi belo. Como disse, não preciso de muito para me contentar.

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