sexta-feira, 9 de dezembro de 2011



09 de dezembro de 2011 | N° 16912
PAULO SANT’ANA


O eremita citadino

De tanto falar em chatos, acabo eu ficando chato.

Por sinal, pelo pecado de ficar assim julgando de modo insistente os outros, corro o risco de ser classificado como o mais destacado dos seres nos quais ponho defeito.

Vai ver que o chato sou eu.

Ainda assim, o tema me fascina. Entre os métodos mais eficazes para coibir os chatos, o do Lauro Quadros é disparado o mais eficiente.

O método do Lauro consiste no seguinte: em princípio, o Lauro Quadros considera que todas as pessoas que não conhece são potencialmente chatas.

Dessa forma, o Lauro finge que está sempre apressado. Quando qualquer pessoa tenta se aproximar do Lauro, ele depressa lança um cumprimento cordial à pessoa, sem contudo deter-se. O Lauro não reduz a marcha do seu passo, ele cumprimenta e segue em frente rapidamente, transmitindo ao chato em potencial que não teria tempo algum para atendê-lo.

Todos os chatos em potencial que porventura tentem abordar o Lauro Quadros se sentem constrangidos. O Lauro faz com que eles creiam, por essa atitude de pressa, que ele tem coisas muito mais importantes e urgentes para tratar do que deter-se e conversar com elas. E deixam o Lauro seguir em frente invicto.

Sendo assim, a única forma de chatear o Lauro é parando-o no pescoção, como, por exemplo, segurando-o pela manga. Assim, detido pela força, o Lauro capitula e conversa com a pessoa que quer conversar com ele, seja ela chata ou não.

Nunca se viu em toda a história de mais de 50 anos de jornalismo do Lauro Quadros, podem perguntar isso a todos os que o conhecem, ele tomar sequer um cafezinho no bar da rádio ou do jornal. O Lauro suspeita de que o ninho dos chatos é o bar e que, se for atraído para lá, terá uma ocasião das mais maçantes.

Por isso, o Lauro chega para o trabalho, desvencilha-se das tarefas e sai em seguida como um raio na direção de sua casa, só parando duas vezes antes de chegar ao lar: são duas paradas, uma em uma farmácia para pesar-se numa dessas balanças públicas e outra em uma segunda farmácia para conferir se o peso verificado na primeira era aquele mesmo que notou no visor, como bom e destacado hipocondríaco que é.

O Lauro passou a vida inteira se desvencilhando dos chatos por uma atitude de alheamento social. Ele não é sócio de nenhum clube, não se filiou a nenhuma confraria e a única exceção é uma turma que ele tem que janta acho que quinzenalmente no Barranco, em que figura também o ex-locutor esportivo Antônio Carlos Resende.

Em última análise, o Lauro Quadros asilou-se durante os 72 anos de sua idade em sua casa, onde se refugia cautelar e estrategicamente de todos os chatos reais e potenciais.

Quando vamos fazer o Sala de Redação, por exemplo, no Acampamento Farroupilha ou no Largo da Prefeitura, comumente nos oferecem um almoço, em um piquete ou no Gambrinus. Todos nós, os outros componentes do Sala, vamos almoçar no local. Só o Lauro sai direto do programa e não dá nem bola para o almoço, escafedendo-se na rua, em direção à sua abençoada casa.

O lema existencial do Lauro Quadros, pois, é o da célebre sentença de Sartre: “O inferno são os outros”.

De alguma forma, o Lauro se mostra ajuizado, pois, se ele fosse frequentador assíduo das rodas de bares e outras rodas em geral, correria não só o risco de ser chateado todos os dias como também o risco que corajosamente, por exemplo, eu também tenho ao frequentar e adorar essas rodas: o de vir a chatear os outros.

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