quinta-feira, 8 de dezembro de 2011



08 de dezembro de 2011 | N° 16911
LETICIA WIERZCHOWSKI


Numa tarde de dezembro

Todo dia, o menino está no sinal. Triste, alegre, maltrapilho, sorridente, gentil, o menino está no sinal. Eu vou e venho: do colégio, do supermercado, de uma palestra. Sozinha, acompanhada dos meus próprios meninos, e lá está o menino no sinal.

Quando tenho alguma coisa, lhe dou. Certa vez, dei-lhe um desses potinhos para fazer bolhas de sabão. Embora seja um menino alto, grande, do tamanho do meu filho mais velho, ao ganhar o brinquedo, ele sorriu como meu filho mais novo.

E vou, e venho, e o menino está lá... Um dia, nem sei bem porque, talvez porque o tenha encontrado triste, olhos da mais genuína tristeza, convido o menino para almoçar. Ele ainda não almoçou, saiu do colégio “direto pra rua”, como diz. E aceita o meu convite com um sorriso.

O menino entra no meu carro, e vamos pra minha casa. É a primeira vez dele em muitas coisas: carro, elevador (no elevador, aquele menino grande, do qual muita gente deve sentir medo por aí, aquele menino me dá a mão, com medo). É a primeira vez dele num apartamento, e ele se comporta muito bem.

E come, educadamente, dois bons pratos de comida. E agradece os pequenos presentes que lhe damos (uma bola, umas blusas para substituir a rasgada que ele veste, alguns pacotes de biscoitos, dois gibis). É um menino tão educado quanto o meu próprio menino – embora não use as palavras corretas, o sorriso, os modos, tudo nele é pura educação e respeito.

De barriga cheia, levando seus presentes, com uma lata de Coca-Cola na mão (o maior dos presentes, pelo tamanho do sorriso), vamos embora. Eu tenho hora, meu marido também. E o menino vai-se, bamboleando pela nossa rua, feliz, feliz como qualquer menino.

E eu fico ali, olhando o carro, o elevador, o prédio – e como me dói viver num país onde os meninos estão assim tão separados. Aquele ali, tão doce, e o meu menino também, tão doce – e tudo é tão injusto, e o Natal vem chegando, e enquanto o meu filho estuda para entrar de férias numa boa, o meu amigo do sinal precisa sair do colégio “direto pra rua”, porque a mãe teve bebê e não está trabalhando ultimamente.

E tenho vontade de chamar aquele menino de volta, de abrir minhas asas... Mas ele tem mãe: ela educou-o, na pobreza, com um esmero que merece o meu respeito. E sigo para a minha vida, depois desse encontro, alegre e triste ao mesmo tempo. Torcendo que haja uma segunda visita, uma segunda Coca-Cola, e um outro sorriso daqueles, dos mais bonitos que já vi na minha vida.

Nenhum comentário: