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sábado, 2 de janeiro de 2010
Sherlock Holmes e Watson sem retoques
Em Sherlock Holmes, o diretor Guy Ritchie submete o detetive a um choque iconoclástico. E quem sai ganhando, finalmente, é Watson
Isabela Boscov
Fotos Everett Colecction/ Grupo Keystone
MARTE E MERCÚRIO
Law, como Watson, e Downey Jr.,como Sherlock: um está sempre pronto para a guerra, o outro para imaginar – e intimidar
Sherlock Holmes, o infalível detetive particular da Inglaterra vitoriana, é uma dessas criações que ganham a posteridade meio que à revelia de seu criador: o escocês Arthur Conan Doyle, médico, aventureiro e veterano da Guerra dos Bôeres, em várias ocasiões manifestou a pessoas próximas seu descontentamento com a fama colossal conquistada pelo tipo.
Conan Doyle acreditava ser capaz de literatura de muito maior quilate, e a cada nova investida ficava à espera de que seu verdadeiro gênio (a modéstia não se contava entre as suas qualidades) fosse finalmente reconhecido.
O escritor, que morreu em 1930, aos 71 anos, esperou em vão. Romances como Micah Clarke e O Mundo Perdido, assim como sua ambiciosa história da I Guerra, são pouco mais do que notas de rodapé em sua biografia; as grandes estrelas dela são mesmo Sherlock e seu fidelíssimo companheiro Dr. Watson.
Em certos círculos, atribui-se a essas estrelas tal brilho que elas chegam a ofuscar Conan Doyle e relegá-lo ao papel de coadjuvante em sua própria trajetória: os admiradores mais atirados por vezes se esquecem de que Sherlock e Watson são personagens de ficção, e escrevem sobre eles ensaios, estudos e biografias como se a dupla fosse real.
O grupo dos sherlockianos fanáticos é menos conspícuo e barulhento do que os fãs de super-heróis que patrulham com zelo fundamentalista toda tentativa de adaptação de seus objetos de adoração. Mas não são menos devotos. Dar-lhes umas boas cutucadas, assim, é o primeiro mérito do trabalho do diretor Guy Ritchie em Sherlock Holmes (Estados Unidos/Inglaterra, 2009), que estreia na próxima sexta-feira no país.
Sherlock, na recriação de Ritchie, não saca de uma lupa a cada oportunidade, não usa boina de caçador nem sobretudo com capa, não diz "elementar, meu caro Watson" e, embora ainda fume cachimbo, prefere um modelo de haste reta à excêntrica haste curva celebrizada em adaptações como as estreladas por Basil Rathbone e Nigel Bruce nos anos 30 e 40. Essas alterações não são meros retoques cosméticos.
São reflexo do choque iconoclástico a que o diretor submete o personagem, e que traz para a superfície todas as suas características menos elogiáveis: o esnobismo, a presunção, a arrogância, o egoísmo, e a sem-cerimônia com que usa as pessoas – a começar por Watson, um médico respeitável e combatente condecorado da segunda guerra britânica no Afeganistão (1878-1880) que, nos livros, ele sempre tratou como um subalterno.
Ritchie, que até os 15 anos foi educado em internato, como convém aos meninos ingleses de classe alta, sabe bem quem Sherlock realmente é: no fundo, ele nunca deixou de ser um prefect, como é chamado o monitor escolhido entre os próprios alunos e que reina sobre eles como déspota. (A título de observação, os prefects amáveis e razoáveis de Harry Potter são tão plausíveis quanto a existência de um internato para jovens bruxos.)
Como não é o caso de alienar a plateia, contudo, esse tirano ególatra é, aqui, interpretado por Robert Downey Jr., um dos poucos atores capazes de conferir traços redentores à petulância e torná-la até adorável.
Com cabeleira revolta, energia incontida e entusiasmo infantil pela própria inteligência, esse Sherlock é um personagem ao qual se pode desculpar o jeito pernóstico. Vez ou outra, ele pode até ser colocado no seu devido lugar pelo Dr. Watson vivido com surpreendente vigor por Jude Law.
Nos últimos anos, Law vinha se tornando um ator vago, quase inapetente. Mas, no jogo de influências que se desenha entre Ritchie, Downey e ele, Law sobressai como a força capaz de corrigir as distorções do jogo original, o desempenhado por Conan Doyle, Sherlock e Watson.
O detetive tem a imaginação, mas seu parceiro é quem tem o senso prático que possibilita aos lampejos de Sherlock exercer impacto sobre o mundo. Na concepção de Conan Doyle, Sherlock era Deus e Watson, seu rebanho, como observou o jurista americano Richard Posner em um ensaio contrário à idolatria sherlockiana. Na visão do filme, Sherlock pensa que é Deus, mas nada seria sem Watson, que, à maneira de Moisés, cuida de que sua palavra seja posta em prática.
ATRAÇÃO QUE REPELE
Rachel no papel da golpista Irene Adler: o detetive bem que gosta dela. Mas gosta ainda mais da companhia de Watson
Não que Sherlock Holmes seja, nem em sonho, um ensaio crítico. Toda essa informação e esse conhecimento do seu principal trio criativo estão a serviço do entretenimento em larga escala – a aposta de Ritchie para, tendo sobrevivido ao divórcio de Madonna (e, mais notável, ao casamento com ela) e recuperado sua centelha, estabelecer-se como um nome de sucesso comercial, não mais restrito a facções de cinéfilos. Ritchie sempre foi um diretor de ação extremamente inventivo.
É também, por afinidade ainda que não por origem, um cultuador de uma faceta meio mítica de Londres, a de uma cidade sob cujo verniz de civilização pulsa um submundo tão violento quanto vibrante.
Aplicando essas características à Inglaterra vitoriana e imperial, que criava na mesma medida poderio e degradação, ele faz a festa. Londres aparece sinistra e bela na sua sujeira. Sherlock agora é versado em artes marciais, não só porque os chutes, socos e pontapés são um jogo de xadrez que ele planeja lance por lance (e, o mais divertido, executa exatamente como planejou), mas porque o detetive tão frio e racional afinal contém uma legião de demônios sempre prestes a irromper, e precisa desse escape. Esses demônios, aliás, parecem ser de várias ordens.
No papel e nas versões anteriores, Sherlock em geral é um ser assexuado, a despeito de sua ligação com a golpista Irene Adler. Já o filme sugere uma relutância, até uma repugnância, um tanto reveladora na sua atração por Irene (em atuação radiante de Rachel McAdams) – mais ainda quando somada ao empenho com que ele tenta boicotar o noivado de Watson com a governanta Mary Morstan (Kelly Reilly).
Sherlock e Watson necessitam, claro, de um adversário pérfido – como Lorde Blackwood (o excelente Mark Strong), que se crê capaz de conjurar forças malignas que porão sob seu controle o Império Britânico.
Uma das teses mais alopradas dos sherlockianos contumazes é a de que o Professor Moriarty, o inimigo figadal do detetive, era na verdade o Conde Drácula (vá se entender de onde eles tiram essa ideia).
Moriarty, aqui, não chega a se revelar: é uma presença oculta que obviamente está sendo guardada para uma possível continuação. Ritchie então veste Lorde Blackwood, em sua aparição final, como o vampiro do Nosferatu de F.W. Murnau e, por garantia, completa o figurino com adereços que prenunciam Adolf Hitler.
É uma brincadeira, sem dúvida. Mas é também uma ironia com o absurdo que constitui a mitologização exagerada do personagem. Os idólatras podem até achar que finalmente encontraram um diretor que os compreende. E como: compreende-os tão bem que lhes dá uma palmada fazendo com que eles pensem tratar-se de um agrado. Exatamente como Watson, agora, aprendeu a fazer para manobrar seu amigo tão inspirador – e tão enervante.
A DUPLA CLÁSSICA
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