sábado, 2 de janeiro de 2010



02 de janeiro de 2010 | N° 16203
CELSO GUTFREIND | (INTERINO)


O mês do interino na França e no Brasil

No começo dos anos 70, viver era mais importante do que ler. A vida, no entanto, oferecia ao menino as suas primeiras faltas. As leituras entravam nelas, prometendo completá-las e, às vezes, até cumpriam. Monteiro Lobato era um desses que não fazia dívida com as promessas.

À mesma época, topei com um livro chamado Elenco de Cronistas Modernos. Que estranhamento! Lobato criava novos mundos para equivaler a um futebol. E conseguia. Mas para isto tinha de bagunçar com as noções de tempo, espaço e realidade. Aqueles cronistas o faziam a partir da própria vida.

Lembro de Drummond, que fez o diabo com um canário; de Clarice Lispector, que bagunçou o coreto com um chá. E tinha o Paulo Mendes Campos, que falava de eleições para crianças, assunto proibido até para os adultos. Claro que me fartei sem segundas intenções, como em toda arte ou brincadeira que se prezem.

Mas o tempo real não é como no Sítio do Pica-pau Amarelo e, três décadas depois, tornei-me interino da Cláudia Laitano. Então, senti na pele algo que, volta e meia, surgia nas crônicas daquela gente. Eles viviam se queixando de que escrever podia ser o maior barato, mas era caro ter sempre de encontrar assunto.

Agora é comigo a bronca. E a encaro a partir da infância, banhada de palavras bem tratadas. Para as maltratadas, encontrei Freud, espécie de Monteiro Lobato inventor de sítios por dentro. É dele a máxima de que, em casos de emergência, não adianta apertar o botão, é preciso falar.

Nos anos 80, falei com Balzac, Rimbaud e com o Hemingway do Paris é uma festa. No mesmo período, Quintana, a partir de Tolstoi, falou-me que o sonho de todo menino é fugir de casa. Foi o que fiz nos anos 90. Agosto, em Paris, é o mês dos interinos. Uma vez, sofri a invasão de camundongos.

No início, confundi seus rastros com restos de biscoito e os comi. Precisei ir ao médico, e ele era interino. Tive de comprar duas ratoeiras no mercado, e a balconista também era. Curei-me da infecção intestinal, expulsei os camundongos, peguei o metrô para ir a Notre Dame agradecer pelas melhoras.

Na catedral, senti que a corcova era falsa, e o corcunda, interino. Mas se agora pensam que me contaminei de Lobato e exagerei na ficção; ou de Clarice Lispector e me passei na escatologia, confundindo biscoitos Lu com cocô de camundongo, sugiro a leitura de A Paixão Segundo GH, onde a barata é mais nojenta. Ou esperem a volta da Cláudia Laitano. Ou façam como sugeriu aquele Freud do Sítio de Dentro: botem pra fora. E falem

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