
05 de julho de 2009
N° 16021 - MOACYR SCLIAR
O elogio da loucura
O José Onofre, jornalista gaúcho recentemente falecido, era um cara simpático, culto, bem-humorado, mas absolutamente franco e sincero. Quando comecei a escrever aqui para Zero Hora, muitas vezes trocávamos ideias acerca de minhas colunas. Suas observações, sempre objetivas, sempre pertinentes, me ajudaram muito. Um dos conselhos que me deu, jamais esqueci, quando mais não seja porque era, e é, surpreendente: é preciso louquear, foi o que ele me disse.
Louquear? Mas jornal não é coisa de gente séria, jornal não lida com problemas candentes de pessoas e de comunidades? Que história é essa, então, de louquear?
Hoje entendo bem o que o José Onofre queria dizer. Não se tratava de fazer maluquices, de escrever qualquer coisa que me viesse à cabeça. Não, louquear para ele tinha o sentido de libertar-se, de escapar aos limites do convencional, do habitual. Louquear era virar a mesa. Não quebrar a mesa, não queimar a mesa; virá-la, simplesmente, criar um cenário diferente e, porque diferente, inspirador.
Virar a mesa, contudo, não é fácil, sobretudo pela maneira como funciona a nossa cabeça. Freud postulou a existência, na mente, de três estruturas psíquicas: o Ego, que é o nosso jeito habitual de ser, o Superego, aquele sisudo senhor que representa os mandamentos morais de nossa cultura, e o Id, o troglodita que encarna os nossos instintos.
O Superego não só não permite que viremos a mesa, como também quer que ela esteja sempre arrumada e imaculadamente limpa. O Id, se pudesse, reduziria a mesa a pedações e urinaria em cima. E o Ego ficaria entre os dois, perplexo, angustiado, sem saber o que fazer.
Uma situação paralisante, que pode anular nossa existência. “Par délicatesse j’ai perdu ma vie”, disse Rimbaud, e isso é uma melancólica verdade: no esforço de sermos delicados, bonzinhos, deixamos de viver. Em algum momento teremos de dar um murro no tampo da mesa, exclamando: “Isso não pode continuar”. Em algum momento teremos de virar a mesa.
Erasmo de Rotterdam escreveu um livro chamado O Elogio da Loucura. Título irônico: Erasmo não estava querendo dizer que a loucura é coisa boa, queria dizer apenas que há coisa pior, a hipocrisia, para a qual, segundo ele, a loucura era uma alternativa válida. Aquele grão de loucura (para usar uma antiga expressão) pode mudar o sabor do prato que é a nossa vida, da mesma forma que o faz um grão de pimenta.
Em literatura de ficção, louquear significa dar vida aos personagens que o escritor tem dentro de si, por mais estranhos que sejam. Na verdade, tais personagens resultam de projeções da personalidade do próprio escritor. “Madame Bovary sou eu”, disse Flaubert, surpreendendo muita gente.
Então ele se projetava numa mulher? Numa mulher infeliz, que buscava no caso extraconjugal a solução de seus problemas? Pois é. Flaubert estava louqueando, e assim criou uma obra-prima.
Louquear, sim. Mas louquear com sabedoria, com arte. Louquear com moderação. Louquear como uma forma de mobilizar sentimentos e emoções de pessoas. Louquear como forma de dar asas à imaginação. Certamente isso não fará mal, e talvez até nos faça bem. Pelo menos é uma possibilidade a mais em nossas vidas.
Como diz o psiquiatra Jurandir Freire Costa: “Um grão de loucura e devaneio, quem sabe, é desta falta que padecem nossas almas, famintas de encantamento”.
A propósito da crônica sobre a França, recebo do prof. Hipérides F. de Mello, que dirige a Aliança Francesa, mensagem em que ele fala do papel da tradicional instituição na difusão da cultura francesa, sobretudo neste 2009 que é o ano da França no Brasil.
Também gostou do texto o Antonio Rodrigues. O Henrique Lindner, jornalista da Rádio Sobradinho, protesta contra a extinção da obrigatoriedade do diploma de jornalista, conforme decisão do STF.
O Lucio Carvalho, que fez uma pesquisa sobre preconceito e dircriminação na escola, lembra que este assunto é sempre atual (é mesmo, Lucio) e que não deve ser esquecido. Também agradeço as mensagens de Rodrigo Zimmermann (RBS de SC), do Dr. Ronald P.de Souza, da jornalista Priscila Gomes e da Dra. Maria Augusta S. Correa.
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