terça-feira, 3 de maio de 2022

03 DE MAIO DE 2022
NÍLSON SOUZA

A lista dos chatos

Sei que virou caso de polícia e perdeu a graça, mas os autores da lista dos maiores chatos da cidade de Candelária devem ter pensado que estavam apenas exercitando a sua liberdade de expressão. Se todo mundo escreve o que pensa e o que não pensa - imaginaram -, por que não listar os malas da comunidade para provocar risos e curtidas? As redes sociais estão aí para isso mesmo: da ideia à ação, é só usar o dedão.

Só que não. Alguns listados, compreensivelmente, acharam que foi um caso de liberdade de agressão, como redefiniu recentemente um supremo ministro. Pelo que já se sabe da investigação policial, os engraçadinhos terão que fazer um verdadeiro ato de contrição na delegacia para não serem responsabilizados judicialmente. Brincadeira tem hora. E limites.

Aí está o xis da questão: qual é o limite da liberdade de expressão?

- O maior chato é o chato perguntativo - me responderia Mario Quintana, acrescentando: "Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir enquanto se pensa noutra coisa".

Chamar alguém de chato virou rotina em nosso país. O aluno diz que o professor é chato, o funcionário diz que o chefe é chato, todos temos um amigo chato. O curioso é que chato é sempre o próximo - principalmente quando não está próximo.

Porém, no admirável mundo novo da internet e das redes, todos estamos próximos. E o que dizemos, ainda que impensadamente, fica gravado - até mesmo porque, de uns tempos para cá, passamos a falar com os dedos, ou pelos dedos, para ficar mais claro. Digitar é deixar impressões digitais.

O limite de toda a liberdade, ensinam os sábios, é não ferir a liberdade do outro. Quem diz o que quer ouve o que não quer - e ainda pode ser obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Se não está na lei, está em quem interpreta a lei. E aí a discussão vira polarização: autoritário é sempre o outro, e cada qual tem a sua própria versão de liberdade de expressão.

O atual debate entre altas autoridades do país sobre esse tema me faz lembrar a irônica definição do humorista Millôr Fernandes: "Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim". Não sou exatamente um absolutista da liberdade de expressão, como o novo dono do Twitter, mas acho que todos têm direito de digitar sem censura e até de elaborar a sua lista de chatos. Desde que eu não apareça no topo, evidentemente.

NÍLSON SOUZA

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