28 DE MAIO DE 2022
J.J. CAMARGO
OS CONTADORES DE HISTÓRIAS
"A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la." (Gabriel García Márquez em Vivir para Contarla, 2003)
Os contadores de histórias constituem uma categoria à parte na cultura dos povos de todas as épocas. Nos primórdios, eles foram os veiculadores orais do conhecimento, quando não havia outra forma de divulgação, e por isso eram festejados. Depois, quando a escrita surgiu e se disseminou, eles passaram a ser vistos como diferentes, com inegável tendência a serem diminuídos aos olhos críticos de seus pares mais intelectualizados, mas ainda assim com um público numeroso e fiel.
O livro mais famoso da cultura ibérica, Don Quixote de la Mancha (1605), revelou em Miguel de Cervantes um dos primeiros representantes dessa categoria original e criativa. Na era moderna, o mais famoso dos contadores de histórias foi certamente Gabriel García Márquez (1927-2014), que, de tão excepcional, quebrou o círculo hermético da alta erudição e ganhou o Nobel da Literatura em 1982. No seu Não Vim Fazer um Discurso, que é uma espécie de biografia através de alguns dos seus discursos mais importantes, ele diz isso, explicitamente: "Não me peçam para falar de literatura porque eu não entendo disso. Eu sou apenas um contador de histórias".
No Brasil contemporâneo, provavelmente ninguém divertiu mais se divertindo com as histórias que contava do que Ariano Suassuna (1927-2014), que admitia que importava muito pouco se a história era ou não verdadeira, desde que ela fosse boa. A maioria dessas histórias não estão escritas, e o YouTube é o fiel depositário dessa cultura que não pode se perder. Seria uma pena se os nossos netos fossem privados de rir, por exemplo, do causo de mulher antipática que foi à casa dele, e na chegada anunciou que viera lhe dizer uma coisa que ele não ia gostar. E ele se antecipou: "Pois então, não diga!". Mas não adiantou. Ela estava determinada e, confirmando que ele era do signo de gêmeos, perguntou: "Você sabia que dizem que as pessoas de gêmeos têm duas caras?". E ele respondeu "E a senhora acha que se eu tivesse duas caras eu iria usar esta daqui?". E todos riam, e ele ria mais do que todos.
Para quem gosta de boas histórias, a internet oferece acesso a verdadeiras preciosidades, muitas das quais, por mérito, viralizaram na rede.
Selecionei duas para compartilhar:
"O major do exército americano Robert Whiting, um senhor de 83 anos, chegou a Paris de avião. Na alfândega francesa, demorou alguns minutos para localizar seu passaporte na bagagem de mão. O funcionário da alfândega, sarcasticamente, o repreendeu: ?Se o senhor já esteve na França, devia saber que mostrar o passaporte é obrigatório e devia tê-lo pronto para apresentá-lo?. O velho major, constrangido, disse: ?A última vez que estive aqui, não precisei mostrá-lo?. O funcionário da alfândega, já com a voz mais alta, disse: ?Impossível. Os americanos sempre precisam mostrar seus passaportes à chegada à França!?. Então o major Whiting lançou um olhar longo e duro aos franceses e explicou em voz baixa: ?Bem, quando cheguei à praia de Omaha Beach, no Dia D, em 1944, para ajudar a libertar este país, não consegui encontrar um único francês para mostrar-lhe meu passaporte?."
"Quando emigrou para os EUA, Albert Einstein lecionou na Universidade de Princeton. Um dia, saindo de New Jersey de trem, foi abordado pelo cobrador e não conseguia encontrar o tíquete. Foi prontamente identificado pelo cobrador, que lhe disse: ?Não se preocupe, eu já o reconheci?, e foi adiante. Quando ia passar para o vagão seguinte, olhou para trás e viu o professor ajoelhado, procurando algo embaixo do banco. Voltou e repetiu: ?Professor, eu já lhe disse para não se preocupar com o tíquete, porque eu sei quem o senhor é!?. E Einstein teria respondido: "Obrigado, mas eu também sei quem sou, mas preciso muito descobrir para onde eu estou indo!?."
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