terça-feira, 24 de maio de 2022

24 DE MAIO DE 2022
CARLOS GERBASE

A pior parceria do planeta

Você já viu aquelas grandes estruturas de concreto inacabadas perto da ponte nova sobre o Guaíba, que deveriam ser alças de acesso para quem vem do centro de Porto Alegre? É uma obra planejada e executada pelo governo federal, com recursos públicos, que agora, conforme anúncio do Dnit, para ser concluída depende de uma parceria com a iniciativa privada, em troca da concessão de rodovias (pedagiadas, é claro). Não há datas, não há certezas. Há apenas um imenso desperdício de dinheiro, pois quanto mais tempo a obra demorar pra ser concluída, mais cara ela vai ficar. Isso é tão certo quanto a morte e os impostos.

A ideia de promover parcerias entre o poder público e uma empresa privada não é essencialmente ruim. Ela pode dar bons resultados, em especial quando os objetivos estão bem definidos, há regras democraticamente construídas e a sociedade pode supervisionar o processo, de modo que os custos não sejam inflados artificialmente. Em países ricos e com longa tradição de liberalismo econômico, como os Estados Unidos e a Inglaterra, essas parcerias garantem investimentos importantes em áreas que, quase sempre, têm orçamentos estatais minguados, como a cultura e as artes em geral.

O Brasil, após o catastrófico governo Collor, criou a Lei Rouanet para institucionalizar o apoio de empresas privadas aos produtores culturais, através de renúncia fiscal, o que é bem diferente de uma PPP (parceria público-privada). Mas é um drible parecido na pobreza orçamentária. A Lei Rouanet pode ser aprimorada? Sem dúvida. Mas ela já gerou tantos benefícios para a sociedade, já alavancou tantos projetos de qualidade, que é inegável sua efetividade e sua importância histórica.

Atacar a Lei Rouanet e fazer cruzadas contra outras formas de apoio à cultura, existentes ou em gestação, que geram milhares de empregos e dinamizam uma imensa cadeia produtiva, demonstra profunda incompreensão sobre o poder da economia criativa em todo o mundo. 

Afirmar que eventuais distorções desses mecanismos são motivo suficiente para interrompê-los, ao mesmo tempo que vemos imensas obras públicas atrasadas ou paralisadas, e que só serão retomadas pela inciativa privada, nos leva ao terreno do surrealismo econômico. O Brasil, que já não era um país dos mais sérios, agora inventou a PPPPP: pior parceria público-privada do planeta. A obra gasta milhões dos nossos impostos, não fica pronta e o governo repassa a encrenca para o setor privado. Que beleza de solução?

E depois os artistas é que são loucos!

CARLOS GERBASE

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