terça-feira, 24 de maio de 2022


24 DE MAIO DE 2022
NÍLSON SOUZA

A caixa mágica

Na casa de madeira da minha primeira infância, tinha um fogão a lenha que assava pinhões e uma caixinha mágica que produzia sonhos. Os dois equipamentos provocavam frequentes reuniões familiares na cozinha e na pequena sala contígua. Em torno do fogão, especialmente nas manhãs de geada, juntávamo-nos para nos aquecer, para ouvir histórias contadas pelos adultos e para desfrutar o cheiro da comida em sua lenta preparação. Em torno do rádio valvulado, que ocupava um honroso lugar fixo na casa, quase um altar, reuníamo-nos em completo silêncio para não perder uma só palavra do Lenhador de Latão ou do doutor Albertinho Limonta - personagens de O Mágico de Oz e da novela O Direito de Nascer, minhas lembranças mais remotas de dramas radiofônicos daqueles tempos pretéritos.

Não evoco tais recordações por saudosismo, ainda que o frio dos últimos dias é que tenha acionado o backup sensorial da cozinha enfumaçada. Meu assunto é o rádio, esse fantástico meio de comunicação que neste ano está completando cem anos de operação em nosso país. Ou que, talvez, já tenha completado. Há controvérsias, mas a data oficializada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão como início das transmissões radiofônicas no Brasil é 7 de setembro de 1922, registro do discurso do então presidente Epitácio Pessoa na celebração do Centenário da Independência.

Apesar de todas as transformações sofridas pelo rádio entre aquela peça de antiquário da minha infância e as atuais plataformas digitais, sua principal virtude ainda é a mesma: despertar a imaginação do ouvinte. Na comparação com outros formatos, destaca-se pela instantaneidade e pela fidelidade na comunicação, mas o que realmente o diferencia é sua capacidade ímpar de mexer com nossas emoções e nossas fantasias. Claro, a televisão e outros meios audiovisuais também nos fazem sonhar, mas é aquilo que ouvimos, sem ver, que mais nos incita a imaginação.

Talvez, por isso, o rádio não apenas esteja resistindo bravamente à competição com as novas mídias, mas também venha apresentando surpreendente crescimento. Levantamento recente do Ministério das Comunicações indica que o país passou de cerca de 9 mil emissoras antes da pandemia para mais de 10 mil no final do ano passado, com outra curiosa constatação: a migração da audiência para os lares. Com mais gente trabalhando em casa, a audiência desloca-se do trânsito para as residências.

Só falta a volta das reuniões familiares, mas aí já seria magia demais.

NÍLSON SOUZA

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