16 DE MAIO DE 2022
CÍNTIA MOSCOVICH
"Suk Suk": amor no crepúsculo da vida
Lançado em 2019 nos cinemas e agora disponível na Netflix, Suk Suk: Um Amor em Segredo (Twilight?s Kiss), produção de Hong Kong dirigida por Ray Yeung, aborda dois interditos: o amor homossexual onde tal tipo de vínculo é tabu, e o amor entre velhos, num mundo que faz de conta que velhos sequer de amor precisam.
Centrado de início na figura de Pak (Tai-Bo), um taxista perto dos 70 anos que vive com a mulher uma relação de afeto e respeito protocolares e cujos filhos insistem que se aposente (o taxista, não a mulher), o filme surpreende aos poucos. Com grandes apostas em elipses e subentendidos, recurso ao qual se deve grande parte do poder encantatório da narrativa, o filme vai dando ao espectador uma sensação de deslocamento, que talvez seja a mesma pela qual passa o personagem ao procurar seus parceiros de sexo em banheiros públicos - e então se compreende que foi só com a maturidade que Bo passou a realizar seus desejos mais íntimos. Quando Bo encontra Hoi (Ben Yuen), outro sessentão solitário, o sentido da busca por sexo muda. E, como se anuncia no título ocidental, ambos se apaixonam.
Sujeitos a encontros furtivos numa sauna gay decadente - embora a homossexualidade tenha sido descriminalizada em Hong Kong em 1991, o assunto é tratado com reserva -, Bo e Hoi descobrem as possibilidades tardias da paixão em situações de delicadeza enternecedora. São dois corpos velhos a buscar intimidade, e essas cenas causam grande desconcerto: sai de foco a juventude a que todos nos acostumamos nas telas, entram em quadro corpos consumidos pelo tempo e já desajeitados para o amor.
O caminho que a relação toma é mais ou menos previsível, porque se trata de uma história de amor em um lugar em que as histórias de amor costumam ser miseráveis. As demandas familiares, como o casamento da filha de Bo, os cuidados com a neta de Hoi, que também milita junto a um grupo que quer construir uma casa de repouso para os LGBTQI+, vão se costurando ao romance de ambos. No entremeio, abre-se a discussão sobre o que fazer com pessoas que não se enquadram ao sistema e que são esquivas às convenções, como Chiu, um gay com os joelhos já imprestáveis, sem família, e que não quer se desfazer de itens de seu passado e de sua própria história e que empreende uma resistência adorável mesmo que saiba que será infrutífera.
Desconsiderando que a trilha sonora passe um pouquinho dos limites, Suk Suk traz uma linda discussão sobre o preconceito que faz dos velhos seres assexuados, amorfos e praticamente inúteis para a vida em sociedade.
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