13 DE MAIO DE 2022
NÍLSON SOUZA
O homem que filmou a morte
Ainda estou intrigado com aquele vídeo que mostra o ônibus da dupla sertaneja em alta velocidade alguns minutos antes do acidente fatal, em São Paulo. Sei que, para obtê-lo, o autor também cometeu infrações de trânsito - já condenadas com veemência pelos órgãos policiais -, mas considero aquelas imagens um registro inquestionável de que a imprudência e o excesso de velocidade foram as verdadeiras causas da tragédia. O estouro do pneu dificilmente teria provocado consequências tão graves se o veículo estivesse trafegando em marcha mais lenta - a não ser, obviamente, que ocorresse sobre uma ponte ou à beira de algum precipício.
Não estou abordando esse doloroso episódio para lançar mais culpa sobre o motorista. E muito menos para absolvê-lo. Cabe à investigação policial e à Justiça apurar a sua exata responsabilidade - e puni-lo, se for o caso. Minha intenção é trazer para o debate um vilão glamouroso, que costuma ficar impune e indiferente à dor dos parentes e amigos das vítimas: o culto à velocidade.
Sim, é prazeroso desafiar o tempo e a distância, chegar rapidamente ao destino desejado ou mesmo superar eventuais concorrentes na corrida insensata da vaidade. Mas quem corre demais nem sempre chega. Mesmo quando a estrada é boa, bem sinalizada e o veículo parece seguro, o imponderável pode se atravessar no caminho. Quem garante que o carro não vai apresentar aquele raro defeito de fabricação ou manutenção exatamente na hora do excesso? Ou que o motorista de outro veículo não cometerá aquela distração fatal, mudando de pista no momento da ultrapassagem? Humanos falham, sentem sono, desconcentram-se com o celular, piscam - e a alta velocidade não permite vacilos.
Só que dificilmente essa bruxa assassina é pega em flagrante, como ocorreu no caso referido. Na maioria dos acidentes, sempre fica alguma dúvida: o velocímetro pode ter sido alterado pelo choque, a câmera de segurança permite apenas um cálculo aproximado, os testemunhos são imprecisos. Dessa vez não. O registro foi bem feito, com o outro veículo acompanhando a correria do ônibus, o visor marcando a velocidade e o cinegrafista improvisado narrando a ocorrência.
Compreendo e apoio a reprimenda da polícia ao autor do vídeo, até mesmo porque o uso do celular ao volante já deve estar superando as demais imprudências no triste ranking das causas de acidentes. Mas o infrator - nesse caso - acabou prestando um serviço útil à sociedade com o seu flagrante premonitório. Ele filmou a morte no seu disfarce de urgência conduzindo aquele ônibus a mais de 130 quilômetros por hora, enquanto os passageiros dormiam e o motorista, confiando cegamente no seu equipamento, imaginava estar no comando da situação, como fazem todos os que flertam com a velocidade.
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