sábado, 28 de maio de 2022


28 DE MAIO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

MEU ÍDOLO DA ADOLESCÊNCIA

Fui uma dessas adolescentes apaixonadas pelo Chico Buarque. Tinha um cartaz com a foto dele atrás da porta do meu quarto e sabia de cor todas as letras, cantava todas as suas músicas e ele simbolizava pra mim a perfeição. Aliás, ganhei do jornaleiro esse enorme cartaz com a foto do Chico e fiquei tão feliz, que quase fui atropelada ao atravessar a rua segurando o cartaz na frente da minha cara.

Alguns anos depois, com um colega de escola que eu não curtia muito mas que tinha dois ingressos, fui ver o show do Chico e fiquei em êxtase. Nem sei como a gente foi até o camarim, e quando entrei era como se o mundo tivesse parado. Quando vi o Chico de perto, a emoção que me invadiu foi tamanha que eu também parei e não consegui mais raciocinar.

Não tinha a menor condição de dizer que era fã, que tinha adorado o show ou qualquer coisa parecida. Minha mente não funcionava e eu me vi ali estatelada, imóvel, sem nenhuma reação, querendo esconder o nervosismo. Lembro que o tal colega falava coisas sem noção e minha preocupação era não parecer tão idiota quanto a minha companhia. Mas devo ter parecido ainda pior porque fui incapaz de dizer uma palavra sequer. Fiquei muda.

Quase uma década mais tarde, mais amadurecida, eu tinha escrito meu primeiro livro, No Ritmo dessa Festa. Um amigo querido, Carlito Maia, sem me dizer nada, mandou meus manuscritos pro Chico, que mesmo sem me conhecer, escreveu o prefácio. Eu nem podia acreditar em tamanho presente do Universo.

Finalmente meu livro foi publicado e fui conhecer o Chico pessoalmente (jamais comentei o encontro da adolescência). Nos encontramos no Antonio?s, no Rio, e dessa vez consegui falar, dar risada e agradecer seu generoso gesto.

Depois fomos até a casa dele e ouvimos seu novo disco, ainda inédito, Meus Caros Amigos. Ele colocou a faixa O que Será e foi um momento de extraordinária beleza. Nada me parecia real, o ídolo da minha vida estava próximo de mim e me mostrava sua nova música. Às vezes a vida traz surpresas de tirar o fôlego.

Tempo atrás me pediram um texto falando sobre o Chico, mais uma vez, mesmo grisalho, ele foi considerado o mais sexy numa pesquisa feminina. Com certeza não é como ele gosta de ser visto, mas não deixa de ser divertido ver alguém atravessar tantas décadas e continuar criando fantasias.

Talvez as mulheres se projetem nas letras das canções do Chico. Em sua poesia, ele se revela um homem que conhece profundamente os sentimentos das mulheres, compreende suas emoções, o que parece quase impossível.

A verdade é que Chico é um dos seres mais talentosos do planeta, e esse lance de ser bonito foi apenas um pequeno bônus dos deuses. Nem precisava. Ele continua aquele mesmo moleque de jogar futebol na rua, de descobrir sambas esquecidos que poucos conhecem, de ficar indignado com o estado das coisas e lutar por aquilo em que acredita.

Um artista único e extraordinário. Pessoas assim são o orgulho da raça e fazem a gente acreditar que um mundo melhor seja possível.

BRUNA LOMBARDI

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